São Paulo ; Para uma parte do público que sai das sessões de Cisne negro, a tragédia narrada no filme pode parecer um tanto excessiva, surreal ; uma fábula dark. Na tela, Nina é uma bailarina de Nova York que, obcecada pela ideia de perfeição, perde a sanidade nos bastidores de um espetáculo. Para Deborah Secco, no entanto, a história não soou nada fantasiosa. ;Eu me vi na personagem. Pelo menos um pouco;, conta ao Correio. ;Aquela mulher que é levada ao limite quando tenta encontrar dentro de si os sentimentos de uma personagem... Hoje, olhando para trás, noto que aconteceu comigo;, admite.
No caso, porém, o desafio ; quase impossível, ela explica ; foi recompensado com um final feliz. A partir de amanhã, 350 salas de cinema do país exibem o resultado de um projeto que, de certa forma, conta a história da superação de Deborah, 31 anos. ;Gosto muito do filme e da forma como me entreguei. Mas, se eu soubesse tudo o que ele exigiria de mim, acho que não teria me arriscado. Às vezes, eu sentava no chão do banheiro e chorava;, confessa a atriz. Em Bruna Surfistinha, ela interpreta Raquel Pacheco, a garota de programa que vendeu 300 mil exemplares da autobiografia O doce veneno do escorpião, de 2005.
Quando leu o roteiro, a carioca percebeu que ele contava a história das ;quatro vidas; de Bruna: as frustrações da adolescência, as experiências como prostituta, o sucesso na internet e, finalmente, a descida ao inferno da cocaína. Uma história de sexo, drogas e quase nenhum rock ;n; roll ; que, da atriz, exigiu um tipo todo particular de ;efeito sanfona;. Num mesmo dia de filmagem, ela se viu interpretando cenas de Bruna aos 17 (gordinha e escondida numa franja nada atraente) e aos 20 e poucos (com o corpanzil de uma celebridade do sexo). ;Eu usava próteses nas bochechas, mudava a postura. Era complicado manter a concentração. Muita gente me tocando, retocando os detalhes, tudo muito acelerado;, lembra.
Antes das filmagens, não leu o livro nem manteve contato com a autora. Depois, engordou oito quilos e se isolou num apartamento de São Paulo e, por três meses, se viu entregue ao ;ponto de vista; de Bruna, a menina que abandona a família e o colégio para viver de sexo. Visitou pontos de prostituição e, nesse ;laboratório;, compôs um jeito de olhar como que anestesiado, duro. ;Não dá para julgar as mulheres que optam por essa vida. As pessoas são o que elas conseguem ser. Mas está longe de ser um conto de fadas;, avalia. Na personagem, encontrou um espelho ; até certo ponto. ;Não usei nada da minha sensualidade real. Construí a Bruna bem distante da Deborah;, garante. ;Só temos uma coisa em comum: também não fui a menina mais popular do colégio. Eu era a estranha que queria ser atriz.;
Deborah, que no filme contracena com os experientes Drica Moraes e Cássio Gabus Mendes, entende que uma intérprete deve estar disposta a ir ;até onde consegue;. Daí a naturalidade com que embarca em cenas que exigem nudez parcial, uma dezena de posições sexuais e a cooperação de (literalmente) uma fila de homens. ;Minha preocupação era de que o filme ficasse leve demais, e que soasse como uma apologia à prostituição. Sem cenas fortes, não daria para contar esta história;, resume. O diretor estreante Marcus Baldini, que chegou a relutar pela escalação de Deborah (era ;midiática demais;), conta que tomou cuidado para que as cenas mais atrevidas não destoassem do roteiro. ;Ninguém tem que ter medo de filmar sexo;, sentencia.
Nada explícito
Para evitar uma classificação indicativa ainda mais alta (o filme não é recomendado para menores de 16 anos), uma preocupação foi seguida à risca: nada de nudez frontal ou de sexo explícito. No mais, vale tudo: ainda que o ;tudo; seja amenizado pelas lentes higienizadas de um cineasta formado na escola do videoclipe e da publicidade. O movimento no colchão de Bruna, porém, é a engrenagem de um roteiro com a colaboração discreta da própria Raquel Pacheco, que aprovou licenças poéticas e ficou tão satisfeita com o resultado que resolveu aparecer como figurante.
O diretor planejou um filme popular, mas denso. ;Não é um filme de sacanagem. É a história de uma menina tentando se encontrar dentro de um caminho difícil;, define. A atriz concorda. Para ela, o público que entrar no cinema esperando encontrar uma clone da ;periguete; Natalie L;Amour, da novela Insensato coração, vai sair surpreso. ;É muito raro encontrar uma personagem que dá à atriz a possibilidade de mostrar tudo o que sabe fazer. É um motivo de orgulho;, diz Deborah.
Depois da experiência de Bruna Surfistinha, Deborah entendeu que precisa se dedicar a papéis femininos de impacto, ao mesmo tempo em que desfaz a imagem de celebridade sensual estampada nas revistas de fofoca. ;Quero convencer as pessoas de que minha vida é banal, comum, e que tenho muito a crescer como atriz;, afirma. ;Tenho lido loucamente para encontrar essas personagens. Mas, quando se fala em mulher forte, você sempre acaba caindo nas prostitutas. Ou em personagens que já foram feitos;, observa. A lição que fica? A fase complicada na trajetória dessa ;bailarina; está só começando.
Três perguntas
O sexo está no filme inteiro. Houve a preocupação de que ele não "roubasse a cena"?
Minha preocupação era de que cada cena de sexo tivesse pertinência narrativa. Há cenas que mostram muito pouco, como a primeira que aparece no filme, mas são chocantes. Os atores sabiam que iríamos só até certo ponto, e logo se acostumaram à ideia de que, no set, filmaríamos cenas de sexo todos os dias. Entrou na rotina.
Como Deborah o convenceu de que merecia o papel?
Nosso medo era de usar a imagem de uma atriz que já aparecia muito na mídia. Acima de tudo, eu não sabia que ela conseguiria interpretar uma menina de 17 anos. Mas, no dia da entrevista, a Deborah entrou no quarto e saiu com uma camisola infantil, o cabelo jogado na testa. Disse: "E agora, eu tenho 17 anos?" Ali eu me convenci.
Equilibrar drama com momentos de humor foi um desafio?
Acredito que o humor e a leveza fazem com que os momentos de reflexão sejam mais contundentes. Com o filme, a minha intenção é atingir um número grande de pessoas e provocar reflexão. Ele é leve, mas também melancólico. Um filme triste e pesado, com uma história de agressão, de violência. É um balanço de filme popular e filme denso.
O repórter viajou a convite da produção do filme.