Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Público lota sessões em Gotemburgo para ver filmes de todo o mundo

Gotemburgo (Suécia) ; Observar que parte dos estimados 200 mil espectadores do 34; Festival Internacional de Cinema de Gotemburgo está no escuro quando entra em qualquer uma das 750 sessões do evento, pode reforçar uma redundância, já que, num inverno com temperatura de 8; negativos, o sol se esvai às 16h na costa ocidental sueca. Mas o estudante de artes Manfred Persson, 20 anos, recém-chegado da cidade de Bengtsfors, parece divertir-se com o percurso cinematográfico às cegas. ;Não gosto de ser conduzido por opiniões prévias. Hoje, por exemplo, do longa escolhido (David wants to fly), só sei que tem algo relacionado ao diretor David Lynch;, diz, sem saber da carga de meditação transcendental (combustível para os Beatles, nos anos 1960) impressa na trama do alemão David Sieveking.

Com duas idas ao cinema por ano, Manfred não tem a experiência da maratonista da sétima arte Elisabeth Olszon, aposentada que há 30 anos acompanha o festival. ;Evito filmes comerciais. Busco documentários de países diversos, como Iraque, Irã, África e Romênia. Me satisfaço, cinematograficamente, em 11 dias;, conta, sorridente, a cinemaníaca, que à época em que atuava na saúde pública local, tirava férias para prestigiar o evento. Neste ano, o festival, que é o maior da Escandinávia, abrange 440 filmes de 80 países, em 28 blocos de assunto, com polpuda fatia para os documentários.

Exemplo gritante se projeta em Finding Ali, em que um antigo artista plástico sueco fortalece o vínculo entre paranoia e destruição cultural, propiciado pela invasão ao Afeganistão. Numa das cenas mais contundentes, o WikiLeaks demarca presença no registro da morte de jornalistas da Reuters, que tiveram câmeras confundidas com bazucas, aos olhos de norte-americanos que ocupavam helicópteros Apache, no Iraque. Ampliado na tela, o crime reforça o caráter surreal, de videogame.

A sensação de insegurança diante do uso inapropriado de poder está em longas como o sueco Meu valor foi de 50 ovelhas (Jag var vürd 50 lamm) e o espanhol 108 cuchillo de palo. O primeir, uma denúncia do escambo de mulheres em terreno afegão, e o outro, voltado para a perseguição a gays na ditadura paraguaia, aumentaram a disposição para acompanhar ao menos oito filmes, ressaltada pelo engenheiro Jimmy Hansson, 26 anos, e pelo assistente social Rickard Wohlert, 25. ;Não vou muito ao cinema, porque me incomoda ver as pessoas consumindo tanta pipoca. É um alívio que isso não aconteça agora. Me surpreendo em ver pessoas mobilizadas, às nove da manhã, para filmes tão densos;, comenta Wohlert.

Provocações
A ;abertura de olhar para a América do Sul;, destacada por ele, também contaminou Hansson, estreante na maratona cinematográfica. ;Gostei de Post mortem (do chileno Pablo Larraín), pela atmosfera do background relacionado à ditadura latina e pelas emoções que passou. Normalmente, não temos acesso aos filmes da qualidade dos vistos;, observou.

Noutro extremo ; diante do contato com a fita experimental japonesa A summer family, com impactantes cenas de sexo ;, a vendedora de sanduíches Catrin Carlsson não escondia a reprovação, patente ainda pelos aplausos protocolares do público voraz que lota, sistematicamente, as sessões. ;Achei horrível, sem enredo ou clímax. É um arrastado filme de arte que não tem nada de provocativo e tudo de nonsense;, opinou a mesma espectadora do filme R U There (dos Países Baixos), esse em torno de ;um cara nada sociável, fanático por computador e que não interage com a pretendente, a não ser pela internet;.

Ao lado da amiga Catrin, a professora de línguas Jenny Green se dizia ;menos impressionável;, dois anos depois de conhecer o Festival Internacional de Cinema de Gotemburgo. ;Fujo do que seja mainstream, e a sessão de curtas suecos, por sinal, é uma oportunidade de mosaico, com leque de sensações ampliado, em relação aos longas.;

Longe de tabu, a resistência à polêmica do conteúdo sexual de A summer family se deu por âmbito intelectual. ;Ter como personagem uma criança feita de galhos de árvore não é corriqueiro. Estranhei o fato de as pessoas tirarem tanta profundidade disso, sem recorrerem a risos. Creio que o diretor seja bem-humorado e não tenha sido compreendido;, diz Jenny, entusiasmada por outras sessões. ;Neste período, várias línguas são faladas nas filas, e a gente percebe mais pessoas felizes.;

O repórter viajou a convite da Embaixada da Suécia