Pesquisadora do universo de bonecos, Izabela Brochado encenará espetáculo de mamulengos no 20; Festival Internacional de Títeres La Fanfarria (Medellín/Colômbia), em março. Celebrada pela crítica paulista com a montagem Piscina (sem água), a diretora Felícia Johansson desenvolveu a peça inglesa em sala de aula com alunos. Em comum, as duas circulam pelo Departamento de Artes ênicas da Universidade de Brasília (UnB).
Ao lado de outros profissionais de ponta, aliam a formação da próxima geração de atores com pesquisas que oxigenam a cena teatral da cidade, sem se submeter às pressões de mercado. O resultado permite que as criações extrapolem os limites do câmpus e deem visibilidade à produção do DF. O Correio circula por lá e mapeia alguns desses projetos.
Clássicos oxigenados
Desde 1996, o professor Marcus Mota está à frente do Laboratório de Dramaturgia (Ladi), núcleo que já produziu 42 espetáculos dramáticos (gratuitos), encenados em diversos espaços culturais de Brasília. As óperas Carmen e Saul, por exemplo, levaram um time de atores para os palcos e uma multidão para as plateias. Em 2011, a saga escolhida para virar teatro é o mito grego das náiades, que inspira a peça As suplicantes. ;São mulheres que, na noite de núpcias, matam seus noivos;, descreve. Outra criação do laboratório é um espetáculo multimídia baseado na vida do filósofo e matemático grego Pitágoras, em parceria com o Archai, grupo multidisciplinar que pesquisa as origens do pensamento ocidental. Dividida em quatro eixos temáticos, a peça ensinará a doutrina pitagórica por meio da música, da matemáticas, das estrelas e da alma. ;Trabalho com estudos clássicos no teatro. Existe uma defasagem entre estudos teatrais e estudos clássicos. É preciso fazer uma negociação entre a antiguidade e o contemporâneo;, defende. Mota ainda presta consultoria sobre elaboração de textos teatrais e atualmente renova a linguagem da via-sacra de Taguatinga. ;É a primeira vez que faço esse tipo de trabalho. A encenação de lá não investe tanto no religioso. É mais estética e menos realista, com uma abordagem social;, conta.
Migrantes mamulengos
A relação da professora Izabela Brochado com bonecos vem de longas datas. Em 1992, ela começou a trabalhar com Chico Simões, do Mamulengo Presepada, e o encantamento ganhou cada vez mais espaço na vida. Em breve, os colombianos poderão conferir essa paixão. É que Izabela apresentou o espetáculo Marienta mamulengo em um evento na Chapada dos Veadeiros. O grupo latino La Fanfarria assistiu e convidou a bonequeira para apresentação em um dos festivais mais antigos do país sulamericano, realizado no final de março, em Medellín. ;O espetáculo conta a história arquetípica de uma menina que perde a mãe e de sua relação com uma boneca. Trata do processo de individuação da pessoa, de se estar atento às vozes internas;, conta. A apresentação não será a única participação de Izabela no festival colombiano. Em sua bagagem, ela leva parte de seu acervo, que acabou virando um museu itinerante de bonecos e foi montado no Centro Comunitário da UnB no ano passado. Atualmente, ela negocia com um espaço da cidade para colocar suas mais de 120 peças (são bonecos de sombra, ventríloquos, de manipulação direta) ao alcance do público de novo.
Gestos do Entorno
Durante 13 anos de sua carreira, o professor Graça Veloso nutriu uma longa vivência em teatro de grupo. À frente da direção e atuando nos espetáculos da trupe Cia. dos Homens, ele deu uma pausa na experiência coletiva em 2006. O tempo agora é de investir na pesquisa que comanda há 14 anos, sobre o gestual e a fala dos moradores das cidades interioranas que circundam o DF. Neste ano, Graça Veloso encerra a trilogia, que começou com a peça Benedita e ganhou continuidade com Inderna de Intão. A primeira peça, segundo o próprio autor, era gesto puro. A segunda, une a palavra à gestualidade. A última etapa da trilogia, Milagre do santo novo, que será montada neste ano, retoma o gestual dos interioranos e discute a espetacularização das tradições. ;Como não tenho compromisso mercadológico, participo de festivais, de pequenas temporadas e vou fazendo;, relata. O professor ainda prepara a instalação artística Nó, inspirada em um mito indígena do extremo norte do Brasil.
Fagulhas do baSiraH
Diretora do grupo baSiraH, a professora Gisele Rodrigues trouxe sua experiência de anos de estudos de dança-teatro. Os planos para os próximos meses envolvem retomar projetos antigos e desenvolver o espetáculo As suplicantes, em parceria com o professor Marcus Mota. Atualmente, os envolvidos desenvolvem a dramaturgia do espetáculo. A expectativa é que a estreia ocorra até o segundo semestre deste ano. Ela também se dedica aos ensaios e à ideia de levar para o ambiente universitário uma iniciativa que criou dentro do baSiraH. Trata-se de uma oficina dentro do Laboratório Corpo Criativo, um espaço para que professores da rede pública de ensino possam trabalhar a consciência e a expressão corporal. ;O projeto previa uma capacitação para quem ensina disciplinas ligadas às artes, mas a procura foi muito grande e veio gente de todas as áreas. Quero juntar isso ao ambiente rico da UnB;, descreve.
Sucesso em Sampa
O ano de 2010 foi tão bom para os projetos profissionais da professora Felícia Johansson que o sucesso continua repercutindo em 2011. Ela dirigiu duas peças que conquistaram prestígio e até prêmios. Piscina (sem água), que ela conheceu durante uma temporada londrina, caiu nas graças da crítica de São Paulo. ;É um texto interessante de um dos novos autores da cena Mark Havenhill. Decidi montar com meus alunos;, relata. A primeira versão tomou forma no Cometa Cenas (festival interno de estudantes de artes cênicas da UnB). Depois, ganhou o patrocínio do 14; Cultura Inglesa Festival numa versão com atores profissionais. A outra montagem, A porca faz anos, projeto final dos alunos de bacharelado, começou a trajetória no teatro Helena Barcelos, dentro da câmpus, seguiu para a Martins Pena e arrebatou o prêmio de melhor sonoplastia no prêmio Sesc do Teatro Candango. ;Queremos entrar em temporada comercial e rodar o Brasil;, planeja.
Sonhos coletivos
No último ano, a professora realizou um sonho antigo, que ainda saboreia como se fosse uma novidade fresquinha: montar um grupo de teatro. ;Já trabalhei com muitos diretores, mas sempre tive esse desejo de projeto coletivo. O trabalho contínuo facilita o aprofundamento da pesquisa;, acredita. As reuniões do Teatro do Instante ganharam um espaço especialmente criado para este fim: um estúdio, batizado de Canto das Ondas, na casa da própria Rita. É lá que eles praticam exercícios físicos, de relaxamento, de consciência corporal, de sensibilização e de improvisações. E entre esses encontros inspiradores, criaram a peça Pulsações, sobre as nuances subjetivas presentes na obra da escritora Clarice Lispector. ;Queremos dedicar este ano à pesquisa, vamos ver o que virá;, destaca a atriz/professora, que voltará a promover dois encontros semanais na sede do grupo. A progressão de um trabalho coletivo não é o único ponto forte para ela. ;Queria muito levar Pulsações a lugares inusitados, em que os moradores nunca estiveram em um teatro. Essa peça pode ser encenada em qualquer lugar;, sonha. Participa do grupo a professora e atriz Alice Stefânia, que tem forte presença no mercado com espetáculos, como o recente Duplos, em que interpreta ao lado de Fernando Santana. Nos limites do câmpus, ela dá sequência à atuação dentro do projeto Poéticas do Corpo: do treinamento à cena, mais precisamente no núcleo que considera ser a sua praia: a dramaturgia do ator. ;Trabalho a dramaturgia do ator autônomo, do corpo, da presença e da voz na composição de uma cena;, explica Alice.