postado em 03/02/2011 08:00
Elisa Lucinda tem uma joia que lapida há oito anos. No palco, a atriz e poetisa fez do espetáculo Parem de falar mal da rotina um raro fenômeno de público. Desde a estreia para 14 pessoas no Teatro Carlos Gomes (a preços populares e em horário alternativo), a montagem já soma um milhão de espectadores e correu o país e até o exterior (só em Barcelona, foram mais de 100 apresentações). Em Brasília, já foi acolhida algumas vezes em salas da cidade, sempre com público atento. ; O que se deu nas sessões seguintes (a estreia de 14 espectadores para 600 lugares) fora a multiplicação da plateia, como um milagre. E nunca mais parei. Oito anos depois, o que se vê é um público que não para de crescer, formando um extenso e interminável boca a boca. Tem sempre alguém perguntando quando é que a peça vai voltar para esta ou aquela cidade, escreve Elisa Lucinda, na apresentação do livro Parem de falar mal da rotina.
Sim, a pérola de Elisa Lucinda acaba de migrar do palco para um delicioso livro, que articula a experiência de amadurecimento dessa montagem. O efêmero do teatro e o amadurecimento da temporada ajudaram a escrever um texto abstrato, escrito ali, em conjunto, pela atriz e as diferentes plateias. Quando saiu desse campo fantástico, que só o teatro pode inscrever no corpo e na memória das pessoas, Parem de falar mal da rotina se materializou numa inquietante verve que reflete sobre a existência humana a partir do olhar poético de Elisa Lucinda.
; Desde a sua estreia, essa peça já foi tantas, por dentro e por fora! Mudaram seus bastidores, seus trabalhadores, detrás dos panos, e não cessa de girar mais e mais o mutante contexto: mudo poema, invento ou conheço novas histórias de onde brotam novas cenas, observa Elisa.
O livro é um pouco desse espírito dialógico de Elisa Lucinda. O de ficar diante de seu leitor e conversar como uma velha amiga de tantos anos de luta. De fazer com que a linguagem poética perca essa pecha de chata, criada ideologicamente para conter a sua potência emancipadora. Quem já viu Elisa em cena sabe que a sua revolução está na forma apaixonada como diz uma poesia, que chega aos ouvidos dos espectadores, com um gozo.
; Eis um livro nascido do improviso do palco. Foi construído sem intenção de virar escritura, esta que é uma conversa sem fim, viva e experimentada com públicos variadíssimos de tribos, ;camadas; sociais e idades diferentes, durante quase uma década. Eu mesma custei a entender isso. Foi difícil preservá-la como conversa e terminá-la como conversa. Até que pudesse compreender, enfim, que era possível apenas interrompê-la. Parem é uma reflexão em voz alta sobre algumas cenas do espetáculo de existir, em que uma folha seca caindo no canto da paisagem tem tanta importância quanto uma gargalhadinha de um bebê, um beijo, uma palavra ou um crime, explica Elisa.
Cronista do Correio, no qual publica todo sábado um texto, Elisa Lucinda traz o tom da crônica para o livro, que reflete, sobretudo, a ética de estar diante de uma vida que nunca se repete, independentemente da morosidade dos fatos. O livro flerta sobre educação e até racismo, dobra-se também sobre o amor, que, para Elisa Lucinda, é ;a energia regente da vida;.