Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Com estreia nno CCBB, espetáculo põe em xeque os valores da classe média

Há quase 15 anos, o ator e diretor carioca Sílvio Guindane vivia, em Brasília, o momento que até hoje considera o mais emocionante de sua vida: ainda criança e estreante no elenco do filme Como nascem os anjos, ele presenciou a projeção do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro de 1996, quando a película foi aplaudida de pé por minutos a fio e ganhou seis candangos. Volta e meia, seus rumos e os da capital se cruzam. Agora, essa relação ganha um novo capítulo: ele estreia, no CCBB, a peça Quanto tempo da vida eu levo para ser feliz, em que assina a direção e o texto. A montagem tem estreia nacional hoje para convidados e abre sessão ao público amanhã, com temporada até o dia 27. Depois, segue para o Rio de Janeiro.

A peça surgiu quando Guindane decidiu abordar o embate entre as relações modernas e as tradições burguesas, religiosas e tradicionais da classe média. ;Gosto de falar de relações humanas e dramas psicológicos, sem resvalar no óbvio, investindo em um humor ácido;, conta. São esses os elementos presentes na trama que começa quando João e Beatriz se conhecem. Depois que o relacionamento vira namoro, os dois descobrem que suas mães já se conheciam. Os dramas pessoais dos pais também surgem no palco, até que um acidente aproxima esses núcleos de pessoas diversas, a ponto de elas decidirem viver no mesmo apartamento.

O diretor foi vítima de um acidente de carro, em 2005, responsável por um momento de união de sua própria família, mas garante que a trama não tem nada de autobiográfica. ;Só me lembrei do meu acidente quando o texto estava pronto. Na verdade, pensei em incluir esse episódio em um dia em que vi o Marcelo Rubens Paiva (escritor, que sofreu um acidente em uma cachoeira e ficou tetraplégico) passando pela Praça Roosevelt, em São Paulo;, destaca o ator e diretor, que depois de gestar a ideia por um longo período, esboçou o texto da peça durante um retiro de quatro dias em Búzios (RJ).

Para dar vida à história, que gravita entra a tragédia e a comédia, o diretor escalou elenco de primeira. As mães dos dois namorados, vividas por Camilla Amado e Denise Weinberg, também têm seus problemas revelados. Uma delas tem de lidar com o alcoolismo e com a dificuldade de escrever um livro. A outra alimenta uma relação à distância com o marido. Luiz Carlos de Moraes dá vida a um dos pais e coube aos atores Isabel Guerón e Fernando Dolabella viverem o casal que entrelaça as famílias.

Dolabella do palco
Fruto de um clã de artistas, Fernando é filho dos atores Carlos Eduardo Dolabella e Pepita Rodrigues, e é irmão de Dado Dolabella. Depois de uma vida por trás das coxias, ele anda eufórico com a chance de ser protagonista. ;Até agora, é o personagem da minha vida. Sou para fora, ele é mais introvertido. Estou trabalhando muito para fazer o público se apaixonar por ele, se comover;, revela. As comparações com a família existem e pesam na vida do ator. ;Já sou rotulado antes de começar, mas estou trabalhando para ter base para ser protagonista;, destaca Fernando Dolabella, que se encontrou no teatro, ao contrário da família, focada em trabalhos televisivos.

A princípio, a dificuldade o afastou da carreira artística e Fernando chegou a cursar dois anos de administração de empresas. Depois da morte do pai, resolveu investir em cursos de atuação para arejar a cabeça. Percebeu que tinha jeito pra coisa, largou a universidade e fez um teste para integrar o elenco da Companhia de Dramaturgia Carioca, dirigida por Guindane. ;Dos 30 integrantes dessa época, só ficamos nós. É a seleção natural;, acredita Dolabella, que afirma que o diretor é seu espelho na vida e na carreira. Hoje, os dois mantêm uma produtora e tocam diversos projetos juntos.


QUANTO TEMPO DA VIDA EU LEVO PARA SER FELIZ
Até 27 de fevereiro, de quinta a sábado, às 21h, e domingo, às 20h, no Centro Cultural Banco do Brasil (SCES Trecho 2, lote 22; 3310-7087). Hoje, só para convidados. Ingressos: R$ 15 e R$ 7,50 (meia). Não recomendado para menores de 14 anos.


Três perguntas - Sílvio Guindane

Aos 27 anos, você já possui uma larga experiência em atuação, direção e na criação de textos dramatúrgicos. Como foi seu processo de se descobrir multitarefas?
Quando era criança, já adorava escrever. Nessa época, já fazia muito cinema e dirigi meu primeiro curta-metragem aos 16 anos. Quando entrei para a universidade, cursei português e literatura na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). O curso me ajudou como ator e me abriu para a dramaturgia. Sempre tive uma relação forte com o teatro e dirijo peças há cinco anos. Atuo como ator convidado do Teatro Oficina (de Zé Celso Martinez Corrêa), mas ando priorizando os projetos pessoais.

Quais são eles?
Assino o texto e a direção de uma peça, Após a chuva, que conta com Antônio Pitanga, Mel Lisboa e Isabel Guerón no elenco, e reestreia no próximo dia 11, no Rio. Como ator, estou no elenco da peça A confissão, de Walter Lima Jr, com Ângelo Paes Leme e Anna Sophia Folch. Essa peça estreou em Lisboa no começo de novembro, segue para Angola em abril e deve estrear no Brasil no segundo semestre. Outra peça na qual atuo é Gimba, o presidente dos valentes. O texto do Gianfrancesco Guarnieri só havia sido montado em 1962 e, agora, o Paulo Lins (autor do livro que inspirou o filme Cidade de Deus) atualizou a proposta. O elenco conta ainda com Taís Araújo e Antônio Pitanga, entre outros. Quanto tempo da vida eu levo para ser feliz segue para o Rio e deve viajar. Há duas semanas, comecei a gravar Vidas em jogo (novela da Record).

E a relação com Brasília?
Já conheço a cidade, vim algumas vezes para dar cursos. Em setembro, volto para filmar Os fins e os meios, do Murilo Salles. No ano que vem, também rodaremos aqui Como se não houvesse o amanhã. Os filmes se comunicam e contam com Daniel de Oliveira no elenco. A história se passa nos bastidores de uma campanha política e eu faço um personagem que vive em uma cidade satélite e vive de lixo eletrônico, desmonto computadores, remonto, revendo peças. Minha mãe se relaciona com o assessor de um político, que mantém vida dupla.