Dono de currículo recheado de experiências junto à nata dos realizadores do cinema novo, o ator baiano Othon Bastos, tomado até por certo alívio, diz que homenagens, ;assim, com o trabalho exibido em conjunto;, não teve muitas. Aos 77 anos e podendo se dar ao luxo de reverenciar os filmes preferidos ;por fases;, como numa eleição de safra, o ator está no foco da mostra O cinema de Othon Bastos, a partir de hoje, no Centro Cultural Banco do Brasil. ;Para dizer a verdade, até relutei com a ideia da mostra, pela sensação que isso traz, de voltar atrás. É como diz o Woody Allen: quando começam a elogiar demais, se tem a sensação de morte. O importante é o trabalho contínuo. Passado é passado, e não volta nada;, diz, ao elencar os projetos em andamento, como as gravações do seriado Lara com Z e os filmes Giovanni Improtta (José Wilker) e A coleção invisível (Bernard Attal).
Vencida a resistência do retrospecto, diante do lote de 13 filmes selecionados sob a curadoria de Davi Kolb, Othon Bastos deixa escapar certo tom de surpresa: ;Eu fiz tudo isso? Pensei que tinha feito muito menos;. Em seguida, vem a emenda: ;Na verdade, Ruy Guerra, Glauber Rocha, Leon Hirszman e Paulo Cesar Saraceni eram os cabeças da grande fase do cinema novo, e eu entrei pela cozinha, em muito por causa da participação em Deus e o diabo na terra do sol (1964);. Encarnar o personagem Corisco, com direito à impactante cena na qual se vê tomado pelo espírito de Lampião, rendeu a Othon Bastos uma projeção descomunal, numa sequência à carreira firmada no Teatro Duse, de Paschoal Carlos Magno. ;Depois do filme, recebia roteiro para interpretar assassino e bandido quase toda semana. Foi quando disse para mim: ;Cangaceiro já fiz um, e foi suficiente e definitivo;. Daí, cumpri a promessa de não me repetir;, relembra.
Figura atuante nos palcos, ao lado da mulher, Martha Overbeck, em momentos históricos do país, o intérprete, no cinema, de tipos criados na excelência literária de Machado de Assis (no filme Capitu) e de Graciliano Ramos (em São Bernardo), nunca abriu mão da função inerente ao ofício, já que, na visão dele, ;artista é arauto do tempo em que vive, anunciando o que vê;. Imbuído da condição de ;um participante;, em contraste com a ;futilidade de se colocar numa posição acima;, Othon Bastos, que acompanhará, hoje, a abertura da mostra no CCBB, ressalta o norte político da profissão. ;O ator tem que ter a sua ideologia. Não pode fazer um trabalho por fazer. Não sirvo para obra feita na alienação, em que se embarque na arte pela arte. Também não estou aí para fazer de tribuna o teatro e o cinema;, analisa o homenageado.
Ainda que exalte a dinâmica ;direta e objetiva; atrelada ao palco (espaço inclusive para contestatórias experiências no Teatro Oficina), o ator deixa transparecer saudosismo, quando o assunto é cinema. ;A diferença é que, no cinema, a gente filma para o longa sair dois anos depois ; olhamos e, às vezes, está desgastado. A importância do cinema veio dos relacionamentos com os cineastas e também das convicções compartilhadas no set. Com o Glauber, por exemplo, íamos sempre a bangue-bangues, assistidos em bairros pobres da Bahia. O Glauber foi um amigo e um grande companheiro;, sintetiza, ao falar de outro sucesso, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro (1968).
Exibido hoje, com O engenho de Zé Lins, Brasília 18% possibilitou o encontro artístico, adiado por 40 anos, com o diretor Nelson Pereira dos Santos, eternamente admirado por Othon Bastos. Julio Bressane (para quem protagonizou Os Sermões ; A história do padre Antônio Vieira) é outro que só puxa elogios: ;Ele é um erudito fantástico, de uma cultura extraordinária;.
Radar crítico
De seus quase 60 anos dedicados à arte, Othon Bastos cita como um dos pontos altos, em termos de conteúdo, o filme Mauá ; O imperador e o rei (1999), de Sergio Rezende. ;O filme enfoca um político maravilhoso e serve como retrato de parte do século 19. Traz algo que a crítica não percebeu: a atuação política do Mauá foi constante e o filme registra o envelhecimento do poder que acompanhou ele;, opina. Realizar trabalhos sintonizados com questões correntes, por sinal, parece uma obsessão do ator. ;É preciso abrir os olhos e as mentes dos espectadores para os sentidos políticos e filosóficos;, observa, ao lembrar que foi um estudante ;sem retorno; da Faculdade Nacional de Filosofia (Rio de Janeiro). ;É que fechei a matrícula e nem pude buscar o diploma;, explica, aos risos.
Ator do sucesso Nosso Lar, Bastos, que é vencedor de prêmios nos festivais de cinema de Brasília e de Gramado, não desvia da prática da humildade, um dos temas da fita. ;Na vida, a espiritualidade é uma das coisas mais necessárias: é a base dentro de você para seguir;, comenta. Movido ainda pelo hobby das idas ao cinema, ele admira as ;fascinantes; fitas japonesas e o ;brilhante; cinema argentino, sem esquecer das ;renovações; vistas em títulos como Tropa de Elite 2: ;É um filme politicamente correto e que aprofunda as causas de fatos bem brasileiros;.
Com tanta predisposição à política, fica impossível não pedir veredicto quanto a Dilma Rousseff. ;Ela está tomando pé da situação. Não vou soltar fogos de artifício e, menos ainda, julgar. Estou na expectativa, dando tempo ao tempo. Quero ver se ela jogará as muletas fora ou se preferirá o empurrão do partido, em cadeira de rodas;, conclui.
Os melhores momentos do ator, na opinião do curador da mostra, Davi Kolb
Os deuses e os mortos (1970)
; ;Representa, talvez, o auge do ator. Com um intérprete que já havia acumulado bagagem suficiente no teatro e na tela grande, veio o reconhecimento, em Brasília, com o Candango de melhor ator.;
Deus e o diabo na terra do sol (1964)
; ;Com ele, Othon Bastos escreveu o nome na história do cinema. Ninguém, na pequena equipe comandada por Glauber Rocha, tinha ideia do que o filme representaria para a cultura do país. Quase 50 anos depois, ainda somos assombrados pela atualidade e modernidade do longa. Ainda saímos do cinema assaltados pelos rodopios de Corisco.;
São Bernardo (1972)
; ;Traz a marca de uma das atuações mais precisas no cinema nacional. Não falta nada, nem sobra nada, no Paulo Honório recriado por Othon Bastos. O filme de Leon Hirszman consegue a mesma proeza. E não é nada fácil encontrar uma transposição para as telas de uma obra literária de Graciliano Ramos. Até hoje, quando São Bernardo é exibido, eu tenho a certeza de que o autor se emociona em algum lugar.;
O CINEMA DE OTHON BASTOS
Abertura hoje, com exibição dos filmes Brasília 18% (às 16h) e O engenho de Zé Lins (às 18h30), e debate, às 20h, com a presença do ator, do diretor Vladimir Carvalho e do curador Davi Kolb. De amanhã a 13 de fevereiro, de terça a domingo, sessões às 16h, às 18h30 e às 20h30, no cinema do Centro Cultural do Banco do Brasil (SCES, Tr. 02, Cj. 22, 3310- 7087). Ingressos: R$ 4 e R$ 2. Não recomendado para menores de 16 anos.
PROGRAMAÇÃO
Terça, 1;/02
16h ; Brasília 18% - 102;
18h30 ; O Engenho de Zé Lins ; 80;
20h00 ; DEBATE ; com a presença de Othon Bastos, do cineasta Vladimir Carvalho e do curador Davi Kolb
Quarta, 02/02
16h ; Policarpo Quaresma, Herói do Brasil ; 123;
18h30 ; Capitu ; 105;
20h30 ; Bicho de Sete Cabeças ; 74;
Quinta, 03/02
16h ; Os Deuses e os Mortos ; 97;
18h30 ; Os Sermões ; 78;
20h30 ; O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro ; 100;
Sexta, 04/02
16h ; Mauá, o Imperador e o Rei ; 135;
18h30 ; São Bernardo ; 113;
20h30 ; Deus e o Diabo na Terra do Sol ; 125;
Sábado, 05/02
16h ; Sol sobre a Lama ; 90; (exibição em DVD)
18h30 ; Bicho de Sete Cabeças ; 74;
20h30 ; Central do Brasil ; 113;
Domingo, 06/02
16h ; Policarpo Quaresma, Herói do Brasil ; 123;
18h30 ; Capitu ; 105;
20h30 ; Os Deuses e os Mortos ; 97;
Terça, 08/02
16h ; Mauá, o Imperador e o Rei ; 135;
18h30 ; Brasília 18% - 102;
20h30 ; Os Sermões ; 78;
Quarta, 09/02
16h ; Central do Brasil ; 113;
18h30 ; O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro ; 100;
20h30 ; Deus e o Diabo na Terra do Sol ; 125;
Quinta, 10/02
16h ; Capitu ; 105;
18h30 ; O Engenho de Zé Lins ; 80;
20h30 ; Sol sobre a Lama ; 90;(exibição em DVD)
Sexta, 11/02
16h ; Os Deuses e os Mortos ; 97;
18h30 ; Brasília 18% - 102;
20h30 ; Policarpo Quaresma, Herói do Brasil ; 123;
Sábado, 12/02
16h ; Bicho de Sete Cabeças ; 74;
18h30 ; Deus e o Diabo na Terra do Sol ; 125;
20h30 ; São Bernardo ; 113;
Domingo, 13/02
16h ; Os Sermões ; 78;
18h30 ; Central do Brasil ; 113;
20h30 ; Mauá, o Imperador e o Rei ; 135;
Data: 1; a 13 de fevereiro de 2011
Local: Cinema do Centro Cultural do Banco do Brasil Brasília
Horários: 16h, 18h30 e 20h30
Entrada franca
Informações: 3310-7087