Como diz o ditado popular, se Maomé não vai à montanha, a montanha vai a Maomé. Seguindo a máxima, chefs imigrantes vieram a Brasília para abrir seus restaurantes com comidas típicas e conquistar o público da cidade com a forma excêntrica de receber e servir. Mesmo a receita sofrendo adaptações, o modo peculiar de preparar as receitas ou administrar a casa vem carregado de tradição e costumes. E são esses detalhes que fazem toda a diferença.
No Taypá (QI 17 do Lago Sul), os vasos e o quadro de pintura inca que enfeitam o salão indicam ao cliente que ele está em um restaurante tipicamente peruano. O chef Marco Espinoza conta que se mudou para a cidade depois de ser convidado para participar de um festival de ceviche, entrada mais popular do país, à base de peixe. ;As pessoas gostaram tanto que recebi o convite para abrir o restaurante aqui;, recorda. Como não podia deixar de ser, a receita é o carro-chefe da casa, que exige a compra de aproximadamente 300kg de peixe por semana para preparar as seis variações oferecidas no cardápio.
Uma pequena concessão ao gosto do brasileiro são as opções de molho que o chef dá aos clientes. No Peru, o prato aceita apenas o leite de tigre (veja a receita). ;No Peru, não temos ceviche disso ou daquilo. Lá, é sempre robalo ao leite de tigre, camarão ao leite de tigre e assim vai;, conta Espinoza. Obviamente, a opção tradicional pode ser provada no restaurante, assim como diversos outros pratos servidos de maneira tradicional.
Em relação aos costumes de seu país, o chef explica que a raiz da comida peruana são as pimentas, como a amarela, a rocoto e a panca, todas trazidas por ele para temperar os pratos no Taypá. ;Elas não ardem, apenas dão sabor;, salienta. As receitas, de acordo com ele, têm influência chinesa, japonesa e espanhola, o que confere sabores marcantes de diversos temperos. ;É uma comida muito saborosa. Abusamos dos ingredientes, principalmente da batata e dos milhos;, afirma.
Temperos
Para sair do Peru e chegar ao Líbano, basta pegar o carro e fazer o trajeto entre o Lago Sul e a Asa Norte, onde Marie Claude Yammine comanda o Manara (Quadra 706). A restaurateur busca manter as tradições da gastronomia de seu país, que descreve como simples, mas de sabores marcantes. Os temperos são à base de azeite de oliva, alho, especiarias e pimentas. E os pratos não levam muitas misturas. ;No Brasil as pessoas gostam muito de comida agridoce, no meu país, não. Temos uma organização nas receitas e até os temperos são próprios para cada ingrediente;, explica. Segundo ela, para cada prato, existe um preparado de temperos ; mistura de diferentes especiarias que os libaneses costumam chamar de pimentas. Essas especiarias podem ser pó de pimenta-do-reino, cravo, canela, noz moscada, entre outros.
A carne de carneiro pode ser considerada o ingrediente libanês mais típico. É base, por exemplo, para a kafta, espeto com a carne do pescoço moída e temperada, servido recheado com arroz, castanha, pistache e pinhõezinhos. ;Como aqui é mais caro, tive que adaptar para a carne bovina, mas os temperos são os mesmos;, conta Marie. Como acompanhamento, pastas de beringela, grão de bico, coalhada fresca e seca. ;Elas ficam bem com tudo. Desde a carne até o pão sírio;, destaca.
A chef explica que, no Líbano, é comum as mulheres cozinharem, principalmente nas aldeias das montanhas. ;Elas têm uma habilidade impressionante. Só nascendo lá, vivendo aquela cultura, para aprender a fazer igual;, acredita. Outro acompanhamento, famoso mundialmente, é o tabule. Composto por trigo para quibe, ervas e legumes, o prato é também um dos que mais saem no restaurante. ;É uma receita completa, refrescante e gostosa, por isso o sucesso;, acredita Marie.
Oriente
Também vindo do continente asiático, Lu Tiangui é responsável por um pedaço da China em pleno Plano Piloto. No restaurante Pequim (405 Norte), ele busca manter a tradição culinária de seu país. Com sotaque carregado e sem o domínio perfeito do português, Tiangui às vezes sente dificuldades de conversar com os clientes. Mas quando não os entende, pede desculpas com um sorriso animador que compensa qualquer problema de comunicação.
Mesmo com a dificuldade, ele não deixa de ensinar aos clientes a melhor forma de aproveitar o menu chinês. ;Tem de provar a entrada, tomar um aperitivo e só então partir para o prato principal;, ressalta. Entre as opções para iniciar as refeições, ele indica rolinho primavera, camarão empanado ou o marcante joãozinho ; massa de pastel recheada com carne moída e nirá (cebolinha japonesa), acompanhada de molho shoyo e alho. ;O nirá tem gosto forte, mas para entrada ele é muito bom;, garante.
Natural de Sichuan, o chef veio a Brasília para fazer um jantar na embaixada chinesa. Gostou tanto da cidade que decidiu ficar. ;Todo mundo gostou da minha comida, então pensei: vou abrir um restaurante aqui. Já se passaram 15 anos;, recorda. Ele conta que em seu país ;todo mundo; sabe cozinhar, no entanto são os homens que preparam os pratos quentes e as mulheres, as saladas. ;Mulher não mexe com fritura;, decreta.
A base dos pratos é o que confere sabor peculiar à cozinha chinesa: sal, pimenta-do-reino, gengibre, óleo de gergelim, vinagre e açúcar. ;Nós gostamos de misturar doce com salgado;, diz. Combinação que pode ser provada na principal receita da casa: o frango Chendu (nome da cidade onde o chefe nasceu). A ave é servida em fatias empanadas e fritas, acompanhando limão, bambu e molho agridoce. ;Esse é o prato que mais sai (no restaurante), e o que mais se come na minha cidade;, conta.
RECEITA
Ceviche clássico
Ingredientes
800g de filé de peixe branco
300g de cebola-vermelha
500g de limão
25g de coentro
3 dentes de alho
10g de gengibre
2 talos de aipo
250g de milho fresco
200g de cancha (milho peruano)
Base do leite de tigre
2 talos de aipo
2 pimentas do tipo limo
2 dentes de alho
Preparo
Cortar o peixe limpo em cubos de 2cm X 2cm. Picar o aipo, o gengibre e o alho e misturá-los com o suco de limão. Acrescentar sal e pimenta a gosto. Reservar. Misturar o peixe, os legumes picados, a base do leite de tigre e a cebola em tiras. Servir com o milho e o cancha.
; A gastronomia austríaca por Birgit Fenzl, dona do restaurante Servus
A gastronomia austríaca é tradicionalmente diversificada, pois durante séculos a casa imperial da Áustria, os Habsburgos, comandou os destinos da Europa e até parte do mundo durante 600 anos. A Áustria sempre foi uma região no meio do continente, por onde passavam e passam todos os caminhos do Leste para o Oeste da Europa.
Fazia parte de sua política de bom relacionamento evitar guerras e procurar casamentos. Assim é que se iniciou boa parte da cultura gastronômica austríaca. Através de séculos de intercâmbio de receitas pode-se afirmar que o austríaco tem o dom de refinar as iguarias e os pratos estrangeiros e dar a eles aquele toque, que se diz verdadeiramente austríaco.
Por isso, nos deparamos com outras origens daquilo que são considerados pratos tipicamente austríacos. O Apfelstrudel, por exemplo, tem sua origem nas tropas de elite turcas, os janízaros. Os turcos não somente deixaram a receita do preparo do strudel de maçã (uma massa finíssima, esticada nos punhos sobre uma toalha, recheado com lascas de maçã, açúcar e limão e enrolada feito rocambole), mas também o café, quando largaram sacas de café para trás ao saírem em debandada geral, após uma segunda tentativa frustrante de invadir a cidade de Viena. Isso lá pelo século 17.
Outro prato doce típico é o Salzburger Nockerln, que de tão frágil, só deve ser preparado pouco antes de comer, pois caso contrário murcha, já que é feito à base de claras de ovos. É um souflé, e como todos os souflés vem da França.
A palavra Palatschinken significa panqueca, outra grande especialidade austríaca, cuja origem remonta à vizinha Hungria. Aliás, foi com o Império Austro-Húngaro que a cozinha austríaca se tornou tão famosa. Topfenpalatschinken (panqueca com ricota doce) é uma grande pedida para sobremesa.
Muitas iguarias doces vêm da República Tcheca, como os Bowidl Tascherln, que são trouxinhas recheadas de geléia de ameixas frescas, ou os Marillenkn;del, que são bolinhos cozidos de batata com recheio de damasco e passadas na farinha de rosca com açúcar.
Uma mesa austríaca é bem farta e geralmente oferece uma sopa de entrada, uma salada, o prato principal e a sobremesa, seguida de cafezinho.Pois é, os cafés e as confeitarias austríacas são instituições fortes e determinantes da cultura gastronômica desse país alpino. Tem regras de funcionamento e o que podem servir. O mesmo vale para os locais de degustação de vinhos, os Heurigen, que funcionam somente durante os meses de verão e que fazem da degustação do vinho fresco, o primeiro do ano, um ritual com direito ao galho de vinhedo na porta do estabelecimento, anunciando uma nova remessa.
Os vinhedos também fazem parte da paisagem gastronômica da Áustria. Só a cidade de Viena tem nove vinhedos, dos quais o menor possui um alqueire.O cuidado com a produção orgânica é muito rígida e cada agricultor que vende a sua produção uma rede de supermercados tem um selo próprio. O cliente final tem como ir lá na horta, para ver de onde vem parte de sua alimentação. Isso se percebe até ao comprar um singelo quilo de batatas.Cultiva-se de tudo na Áustria e há uma variedade enorme de temperos. Um lugar famoso para encontrar temperos do mundo todo é o Naschmarkt, uma feira ao ar livre, em Viena.
As iguarias salgadas não ficam atrás das doces, mesmo que as vitrines das confeitarias chamem atenção de longe. O famoso Wiener Schnitzel, o Gulasch e o Tafelspitz, são três pratos típicos austríacos. O Schnitzel é um filé de vitelo, batido bem fininho, empanado, do tamanho de um prato raso de adulto. Dizem que o General Radeztky o trouxe de Milão. O Gulasch é uma carne cozida em uma cama de cebolas, temperada com especiarias e com muita páprica. Prato originariamente feito pelos vaqueiros das estepes húngaras. Talvez o Tafelspitz, a ponta do filé mignon cozida acompanhada de legumes cozidos, creme de maçã e raíz forte e molho de cebolinha, seja o mais original austríaco.
Não há uma cultura de embutidos, porém há uma salsicha, para fritar, que é recheada de queijo. A famosa K;sekrainer é vendida em bancas de rua e come-se no pão. Uma delícia!