[FOTO1]Um equilibrado misto entre a vertente renovadora da linguagem cinematográfica e ideias propostas por realizadores experimentados no mercado cinematográfico brasileiro dá moldes à 14; edição da Mostra de Cinema de Tiradentes (MG), iniciada hoje e desenvolvida por nove dias. Forte elo a aproximar o novo e o já estabelecido está cristalizado nas personalidades a serem homenageadas: o diretor Paulo Cezar Saraceni (um dos fundadores do cinema novo) e o ator Irandhir Santos, que, em três anos, colecionou personagens em 10 filmes nacionais. Saraceni prova a vitalidade artística, ao lançar na abertura do evento O gerente, uma obra inédita baseada em texto de Carlos Drummond de Andrade e que expõe esdrúxulo hábito do protagonista, dado a morder a mão de clientes. Atores do filme, Ney Latorraca e Joana Fomm se juntam aos diretores Julio Bressane e Zelito Vianna para compor um debate em torno da carreira de Saraceni, autor do clássico Porto das caixas (1962).
Outra confirmação do propósito de criar ponte com o passado se formata no debate Vozes da experiência, incorporado a seminário da Mostra de Tiradentes, num sinal de prestígio dos convidados Cacá Diegues, Geraldo Sarno e José Joffily. O reconhecido caráter de fórum para Tiradentes reacenderá em 12 debates, sob o programa Encontro com a crítica, o diretor e o público, entre os quais um dedicado à carreira de Irandhir Santos, integrado por diretores como Cláudio Assis e Kleber Mendonça Filho. Com pretensão de alcançar público superior a 30 mil pessoas e sob o estímulo da entrada franca, a Mostra de Cinema de Tiradentes programou 30 longas-metragens e 104 curtas, muitos deles a serem conferidos por convidados como os representantes do Festival de Locarno (Suíça), do Festival Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira (Portugal) e do Festival de Cannes (França).
A programação de amanhã revela a expressividade dos documentários (quase metade, na seleção), com a exibição de Leite e ferro, dedicado à maternidade de detentas; Avenida Brasília Formosa, que entrelaça a vida de anônimos em Pernambuco; Elza, uma celebração de Elza Soares, e Cortina de fumaça, que alarga o debate do cerceamento das drogas na maior parte do mundo. Entre os longas completamente inéditos, Enchente (de Julio Pecly e Paulo Silva) se projeta pela atualidade, no registro de desastre natural que, em 1996, matou 100 pessoas em Cidade de Deus (Rio de Janeiro). Noutra linha, dotada de ficção, a produção cearense Os monstros expõe o valor social da amizade.
Reflexões
Associados à proposta de uma análise mais detida para filmes (encerrada na Mostra Vertentes), os longas Solidão e fé (de Tatiana Lohman), debruçado sobre as particularidades de homens que compõem o universo dos rodeios no Brasil, e O último romance de Balzac ; no qual Geraldo Sarno esmiuça reflexões em torno de um texto mediúnico atribuído a Honoré de Balzac ; terão projeções na 14; edição da Mostra de Tiradentes. Também saído da literatura (no caso, do poeta Paulo Leminski), Ex-isto é outro título contemplado na programação. O filme, que traz a assinatura experimental do mineiro Cao Guimarães, recria um abstrato encontro, em solo brasileiro, entre o pensador René Descartes e o príncipe e governador Maurício de Nassau.
Reconhecido pelo interesse na pluralidade de opiniões ; com premiações pelo júri jovem (com estudantes universitários), pelo júri da crítica e por júri popular ;, o evento na cidade histórica tem segmento (a Mostra Aurora) empenhado em apontar novos cineastas promissores, numa seleção que, este ano, alinha nomes que competiram em novembro passado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, como Tiago Mata Machado e Marcelo Lordello. Nesse campo, a ficção Riscado compete com documentários como Santos Dumont ; Pré-cineasta? e Remições do Rio Negro.
Uma amostra de fitas exibidas em festivais nacionais (como Gramado e Rio de Janeiro) e internacionais do porte de Roterdã (Holanda) é ofertada pela Mostra Olhares, com títulos como A alegria, O céu sobre os ombros e Malu de bicicleta. Outro destaque é Paranã Puca ; Onde o mar se arrebenta (de Jura Capela), documentário que traça extenso painel arte pernambucana de 1930 até a atualidade. Em meio às oito mostras voltadas para curtas, a representatividade brasiliense está nas exibições de Braxília, Falta de ar, Entre vãos, Ratão, Eu não sei e Memória de elefante.