O Cabaré Nostalgique, com 144 metros quadrados e decorado nos moldes de um bordel de luxo, na França dos anos 1940, será instalado em Brasília, a partir de 14 de fevereiro. Dentro dele, dois palcos ligados por uma passarela receberão uma sucessão de apresentações de danças sensuais, striptease (sem nudez total, avisa o curador do festival), belly dance e tribal, vertentes da dança do ventre, além de performances de pole dance, o modismo das coreografias em barras verticais que andam atiçando o imaginário masculino. Ao contrário do que se possa imaginar, o espaço não será um templo de luxúria. É um território para instigar a reflexão sobre os limites entre arte e pornografia e abarcar a sensualidade e o erotismo renegados no universo artístico.
Uma das novidades da 14; edição do Festival Novadança, o Cabaré Nostalgique é uma forma de mergulhar em um universo fascinante e provocativo: a sexualidade e as questões de gênero. ;Ao longo da minha vida, ouvi colocações negativas relacionadas ao corpo, de que o que se relaciona ao físico é menos, é promíscuo e subversivo. Na cultura ocidental, a psiquê está ligada ao desenvolvido, e o corpo ao brutal, enquanto que, no pensamento oriental, o corpo é o caminho para chegar ao desenvolvimento;, destaca o curador e organizador Giovane Aguiar.
Pode soar contraditório, mas Giovane Aguiar afirma que, apesar de o corpo ser instrumento dos movimentos coreográficos, há muitos bailarinos que não conseguem se tocar ou tirar a roupa em cena. ;Em muitos espetáculos, a ideia trabalhada é genial, mas a expressão e o corpo ficam em um terceiro plano. Você vê a ideia, não o artista;, explica. O Cabaré Nostalgique quer fervilhar essas discussões.
Praticante de pole dance e professora da modalidade há cerca de um ano e meio, a empresária Bárbara Nunes, 27 anos, reconhece que existe uma cultura sexual em torno da prática, mas essa noção é combatida. ;A sensualidade é inevitável, já que é preciso usar roupas curtas para garantir a aderência da pele à barra. Mas essa atividade trabalha mais a autoestima do que a sexualidade propriamente;, garante. A professora acrescenta ainda que são poucas as alunas que procuram suas aulas para ensaiar exibições eróticas para maridos e namorados. A motivação principal é exercitar-se e manter a saúde em dia.
Além das acrobacias feitas em espiral, a relação com a dança é intensa. ;Eu me sinto uma bailarina quando danço. Os movimentos precisam estar em sincronia com a música, existe uma coreografia a ser seguida;, explica. A exaustão e as marcas do esforço também são uma frequente entre os praticantes. Segundo Bárbara, para aprender as variações possíveis, que já ultrapassam os 380 movimentos, é preciso resistir às dores musculares, às bolhas, às feridas e se dedicar intensamente. ;O pole dance desafia o corpo e sempre que você aceita o desafio, cria mais intimidade consigo mesmo. Quando o festival decide incluir essa modalidade, ajuda a divulgar e a afastar o preconceito;, defende.
Equívocos masculinos
Há 15 anos estudando a dança do ventre, Amura Zahra já sofreu assédio em eventos e luta para retirar o estigma que envolve o estilo. Além das cantadas, já ouviu pedidos para se sentar no colo de homens, em festas nas quais se apresentava. ;A gente ainda sofre um pouco, muitos homens levam para o lado puramente sexual, mas é uma dança oriental, sagrada, folclórica e muito alegre, na maioria das vezes;, afirma. De acordo com a bailarina e professora, a modalidade só não é ensinada nas faculdades de dança porque não existem documentos datados que atestem a sua origem.
;Historicamente, é a dança mais antiga de que se tem notícia. O balé e o flamenco se originaram dela;, explica.
E para aprender os requebros de cintura, o olhar penetrante e os meneios com a cabeça, é preciso praticar muito. Além dos ensaios constantes, das viagens de estudo ao Egito, ela investe em alongamento para manter seu potencial de elasticidade. E assiste às apresentações de colegas do mundo inteiro. No ano passado, chegou a ensaiar por nove horas seguidas, enquanto participou do número de um dos maiores coreógrafos de dança do ventre do mundo, Gamal Seif.
Estrela bielorrussa
Uma das principais atrações do Cabaré
Nostalgique será a bicampeã mundial da
modalidade, a bielorrussa Alesia Vazmitsel, que
além de conquistar dois campeonatos consecutivos, chegou à semifinal do programa de TV Britain;s got talent, o mesmo que revelou a cantora Susan Boyle para o mundo. ;Ela tem formação em balé clássico e circo, e investe em uma apresentação teatral, dentro de uma estrutura coreográfica;, afirma Aguiar. No inferninho chique do festival, ainda surgirão divas e pin ups no estilo da perfomer Dita Von Teese, cheia de penas, brilhos e paetês. As noites serão embaladas por clássicos do jazz. ;É importante mostrar pra comunidade, em geral, que são manifestações artísticas extremamente legítimas. Não adianta pensar só na arte erudita e nas formas mais convencionais estudadas em escolas de dança. Essas formas de expressão nos oferecem uma outra parte;, acredita o curador e bailarino Giovane Aguiar.