São Paulo - A leva de filmes brasileiros que trouxe o espiritismo e a temática da vida após a morte às telas ganhou um representante norte-americano, dirigido nada menos do que por Clint Eastwood. Cada vez mais distante dos faroestes que o consagraram nas décadas de 1960 e 1970, como ator e diretor, Clint flerta com o desconhecido em Além da vida, ao lado de nomes de peso como o produtor Steven Spielberg, o protagonista Matt Damon (Gênio indomável) e o roteirista Peter Morgan (A rainha e Frost/Nixon). O resultado é um longa que trata o tema com delicadeza e que arrepia, sem apelar para o piegas ou fazer propaganda da cartilha de Allan Kardec.
Além da vida, que estreia hoje, conta três histórias de pessoas que se deparam com a morte de maneiras diferentes. Logo nos primeiros minutos, um tsunami invade uma vila na Indonésia, arrastando consigo carros, construções e pessoas, de forma incrivelmente real. Durante a enxurrada, a jornalista francesa Marie (Cécile de France) bate a cabeça e tem uma experiência de quase-morte que mudará a sua vida e a instigará por respostas. Enquanto isso, em Londres, um acidente destrói a vida de dois gêmeos criados por uma mãe drogada, e o pequeno Marcus sai em busca de alguém capaz de se comunicar com os mortos, esbarrando em charlatões por todos os lados, numa bela crítica aos aproveitadores.
Longe da Europa, em São Francisco (EUA), o solitário médium George, interpretado por Matt Damon, foge de todas as maneiras do dom que carrega. Tentando abandonar as consultas de clarividência e a comunicação com pessoas além-túmulo, ele se esforça para levar uma vida normal, em vão. "Uma vida centrada na morte não é vida", rebate ao irmão, que insiste em explorar financeiramente o que George encara como uma maldição. Lidar com tanta emoção e dor daqueles que perderam entes queridos o consome. E às vezes saber mais do que deveria das pessoas ao seu redor pode assustar. Mas George não tem outra escolha.
Sem exageros
O próprio Clint Eastwood revela que já teve uma experiência de quase-morte quando jovem, ao se afogar no mar, e que mesmo assim não acredita em outras vidas. "Pessoalmente, acho que isso é uma simples ilusão. Acho que só existe esta vida e devemos aproveitar todas as oportunidades", disse o diretor na estreia do filme nos Estados Unidos. Talvez por isso Clint tenha conseguido conduzir Além da vida com tanta sensibilidade, perdendo de propósito uma grande chance de apelar para o emocional ou para o clichê. Não há mortos falando, imagens do céu ou do inferno, fantasmas interferindo no mundo real ou paixões com quem já partiu. Até a trilha composta por Clint em piano e violão, essencialmente instrumental, evita exageros.
Relegado ao segundo plano pela crítica americana, sem alcançar as nomeações e premiações que mereceria por Gran Torino (2008) e Invictus (2009), Clint Eastwood mais uma vez parece ter sido esquecido nos Estados Unidos. A bilheteria de Além da vida não empolgou por lá, sem alcançar os US$ 50 milhões gastos, e o filme sequer é citado como candidato nas listas de indicações ao Oscar. No Brasil, país com mais de 20 milhões de espíritas e que levou multidões aos cinemas com Chico Xavier e Nosso Lar, o longa de Clint promete, ou pelo menos deveria, ser mais bem apreciado, mesmo por quem é avesso ao tema. Afinal, ao falar sobre a busca por respostas para a morte, o filme fala sobre a vida.