Toquinho costuma contar historinhas despretensiosas no intervalo das canções durante os shows. E, segundo ele, algumas vezes, o público aprecia mais a conversa do que a música. A blague animou o pesquisador Wagner Homem a criar uma série de livros com histórias das canções de grandes compositores da música popular brasileira. O primeiro foi Chico Buarque; na sequência, veio Paulo Cesar Pinheiro; e, agora, é a vez do violonista Toquinho, em livro escrito numa parceria entre Wagner Homem e João Carlos Pecci. ;João é irmão do Toquinho, tem 64 anos e é mais velho do que ele quatro anos. De modo que não precisamos fazer pesquisa nenhuma, foi só uma reorganização das histórias prontas;, brinca Wagner Homem.
A proposta do livro é pura e simplesmente narrar boas histórias envolvendo as canções. São crônicas musicais. Wagner estava envolvido profissionalmente há 12 anos com o site de Chico Buarque até que um editor sugeriu: ;Por que você não transforma isso em livro? São histórias fascinantes;. ;Pedi ao Toquinho para fazer o prefácio, ele disse: ;Você vai ganhar dinheiro com isso, as pessoas gostam mais das histórias do que da minha música;. Todos têm as suas canções preferidas e gostariam de saber como elas nasceram. Às vezes, as pessoas se decepcionam.;
Em três ocasiões especiais, deu um branco na cabeça de Toquinho e ele não conseguiu compor canções em homenagens a pessoas muito queridas: a musa Mônica, o filho Pedro e a filha Jade. Por mais que Toquinho se empenhasse, a música não baixava de jeito nenhum. Mas, nas três vezes, apareceu salvadoramente o baterista Murtinho e disse: ;Olha aqui a música;.
Com o seu toque requintado, Toquinho incorporou em seu estilo o DNA dos violões de Paulinho Nogueira, Oscar Castro Neves, Baden Powell e João Gilberto. Toquinho teve grandes parceiros, mas o maior deles foi mesmo o poeta Vinicius de Moraes. Quando esteve na Itália, em 1969, Toquinho tocou violão em um disco de poemas de Vinicius. De volta ao Brasil, recebeu um recado da mulher: ;Sabe quem ligou? Vinicius de Moraes;.
O poeta apreciou tanto o violão de Toquinho que o convidou para uma excursão pela Argentina, acompanhado pela cantora Maria Creuza: ;A amizade de Toquinho com Vinicius era um casamento sem sexo;, brinca Wagner Homem. ;O resultado é que Toquinho se tornou um bom letrista depois da parceria com Vinicius.; Que ninguém procure nada mais do livro do que histórias, deliciosas histórias em torno de canções. ;Não sou teórico. Sou do interior e gosto de contar causos;, comenta Wagner Homem.
TOQUINHO
Coleção Histórias de canções. De João Carlos Pecci e Wagner Homem. Ed. Leya, 298 páginas. Preço: 44,90.
Histórias de três canções
Tarde em Itapoã
Toquinho e Vinicius de Moraes
Enquanto o mar inaugura
Um verde novinho em folha,
Argumentar com doçura
Com uma cachaça de rolha.
E com o olhar esquecido
No encontro de céu e mar,
Bem devagar ir sentindo
A terra toda rodar.
Vinicius tinha uma letra sem melodia que pretendia entregar para o baiano Dorival Caymmi musicar. Era Tarde em Itapoã. Goethe dizia que a genialidade não é outra coisa senão a perseverança bem disfarçada. Foi isso que o gênio Toquinho fez. Ele queria de qualquer forma musicar aquele poema com uma raríssima e bela estruturação de rimas: ;Passar uma tarde em Itapoã/Ao sol que arde em Itapoã/Ouvindo o mar de Itapoã/Falar de amor em Itapoã;.
Para conseguir seu intento, Toquinho valeu-se de meios pouco convencionais. Numa noite, antes de embarcar para São Paulo, onde teria de resolver assuntos particulares, simplesmente pegou a letra e viajou. Ele sabia a responsabilidade que era musicar aquele poema sem mexer numa sílaba sequer do texto original. Três dias depois, voltou à Bahia com a melodia pronta. ;Vinicius ficou ouvindo um tempão a música, e não falava nada. Ficava ouvindo no gravador, quieto, fumando, meio indeciso, tentando não se convencer. E o pessoal já começava a cantar na casa. Aí, ele me chamou e me disse que não ia dar mais para o Caymmi. Foi nessa que ganhei o poeta!” Deu no que deu: um dos maiores sucessos da música brasileira.
Samba pra Vinicius
Toquinho e Chico Buarque
Poeta, poetinha vagabundo
Virado viramundo,
Vira e mexe, paga e vê
Que a vida não gosta de esperar,
A vida é pra valer,
A vida é pra levar,
Vinicius, velho, saravá.
Os anos de convivência com Vinicius, sobretudo durante as muitas viagens que faziam juntos, despertou em Toquinho o desejo de criar uma música que descrevesse o parceiro sobre o qual costuma dizer: ;Se eu tivesse que desenhar um bicho que te representasse, com personalidade, tudo, eu desenharia um gato de telhado. Desses que fazem barulho à noite, trepando com as gatas, e não deixam as pessoas dormir. Um gato simpático, que passa de um telhado para outro e que sabe sobreviver sozinho. Você nunca seria um gato de madame;.
Finalmente, Toquinho conseguiu seu intento e fez a melodia descrevendo a brejeirice, a irreverência e, sobretudo, o despojamento do parceiro.
A música foi feita para o show O poeta, a moça e o violão. Quando Toquinho e Clara Nunes começavam a cantá-la, Vinicius entrava, dançando. ;Esse momento do show era um desbunde. O Vinicius era tudo isso que a letra diz. Um poeta que não escondia mais seu desprendimento pela vida. Isso irritava os que o chamavam pejorativamente de ;elefantinho da Shell;, por causa daquele macacão laranja. Ele se lixava para isso, mesmo porque aquela atitude dele refletia até certa agressividade como resposta para todos que não se conformavam com um poeta sambando num palco daquele jeito!”
Que maravilha
Jorge Ben Jor e Toquinho
Lá fora está chovendo.
Mas assim mesmo
Eu vou correndo
Só pra ver o meu amor.
Ela vem toda de branco.
Toda molhada e despenteada,
Que maravilha,
Que coisa linda
Que é o meu amor.
A amizade entre os autores (Toquinho e Jorge Ben Jor) começou durante as noitadas no Patachou, restaurante que ficava na Rua Augusta, em São Paulo, aonde Toquinho costumava ir com sua namorada Carolina, cuja prima começara a namorar Jorge Ben Jor. Na casa de Carolina, onde tocavam violão enquanto saboreavam pão de queijo, Jorge, que até aquela ocasião não havia tido nenhum parceiro, mostrou a Toquinho a primeira parte de um tema musical. Juntos desenvolveram a segunda parte, para a qual Toquinho fez a letra, e inscreveram a canção na Feira da Música Popular Brasileira, da TV Tupi. Ambos pretendiam que a música fosse defendida por Gal Costa, que, entretanto, não tinha disponibilidade de tempo. O jeito foi os próprios autores apresentarem a cria, que ficou em primeiro lugar naquele concurso e foi gravada pela dupla em compacto que trazia no lado B outra parceria dos dois, Carolina, Carol bela. Rapidamente, Que maravilha caiu no gosto popular, tornando-se o primeiro sucesso de Toquinho.