Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Multiartista, Marta Carvalho pede atenção aos artistas locais

Marta Carvalho

Ela ;causa; nas redes sociais. A multiartista Marta Carvalho, ou Marta Crioula, atua em várias direções, de produtora a DJ. Conhece muito bem a cena da cidade e cobra do novo secretário de Cultura, Pedro Tierra, uma política cultural de base. Ela admite que os artistas locais não são muitos conhecidos e defende mais atenção dos curadores ao garimpar o que está sendo feito aqui. Sobre o grupo Casa de Farinha, diz que foi bom, mas já é página virada. Com vocês, Marta Crioula:

Alma de artista

Como começou sua carreira na cena cultural de Brasília?

Eu comecei como bailarina clássica aos 8 anos de idade. Fiz balé até os 16, quando eu entrei para a companhia teatral Celeiro das Antas. Fiquei 12 anos no grupo e, depois do Celeiro, resolvemos criar a Ossos do Ofício, uma associação de produtores preocupados com a difusão dos artistas do Distrito Federal. Um grupo que representasse juridicamente esses artistas e tirasse deles o estresse de resolver questões administrativas. A preocupação com a burocracia atrasava muito o trabalho dos artistas locais. Era sempre um sofrimento.

O Celeiro das Antas fez história no teatro do DF. O que foi mais difícil, conviver 12 anos ou acabar?
Nem uma das duas coisas. O difícil era obter recursos para manter o grupo. Eram 16 pessoas, todas sonhadoras, e a gente tinha uma vontade imensa de executar esses sonhos. Trabalhávamos 12 horas por dia, consequentemente, ninguém podia ter outro emprego. Era um grupo bem caro de se manter. Sair do Celeiro foi apenas um passo a mais em nossas vidas.

Quais são os grande entraves para um produtor cultural? Há muito amadorismo ainda?
Eu não diria amadorismo, mas as profissões estão se atrapalhando muito. O artista hoje tem que saber se oferecer para o mercado. Conhecer todo o processo de divulgação para que sua arte tenha um valor efetivo de mercado. A arte hoje tem a dimensão econômica semelhante à da indústria têxtil no Brasil, por exemplo. A cada ano, o setor está crescendo. É enriquecedor ver artistas correndo atrás, conseguindo espaço e dinheiro com seu trabalho, conseguindo pagar suas contas, ter uma boa vida. De 20 anos para cá, é o melhor momento, eu acredito.

Dá pra viver como produtor cultural na capital do país?

Dá pra viver e bem. Agora você não pode trabalhar só com o seu produto, é preciso observar o que está sendo feito ao seu redor. Interagir. Abrir o leque de opções de trabalho e executar também projetos de outras pessoas, captar recursos para outros tipos de arte.

Então, o grupo Ossos do Ofício é esse gestor?
Exatamente. A gente trabalha com gestão e difusão de arte.

Existem entraves políticos no seu trabalho, como a concorrência desleal entre um projeto de um afilhado político e o seu? A liberação de dinheiro em Brasília e no Brasil é mais técnica ou ainda carrega o viés político?
Há os dois caminhos. Agora o GDF não existe no que diz respeito à divulgação de arte brasiliense. O escoamento da verba que circula na área cultural é muito pequeno e os artistas sofrem com isso. O governo local fez pequenos eventos e não contou com a qualidade da arte que é feita aqui. A gente vive correndo atrás dos editais federais, mas a principal fonte é por meio de emendas parlamentares. São deputados e senadores que conhecem a arte do DF ;infelizmente, são poucos ; e liberam recursos para os grupos locais de boa qualidade.

Surgiram escândalos de desvio de dinheiro público com esse tipo de emenda parlamentar. Você acha que isso pode colocar em risco os recursos para quem trabalha sério?
Acho sim. Muita gente boa foi colocada no mesmo saco de pessoas corruptas, que tinham empresas fantasmas. Mas acho que é a questão da ética e da consciência são mais importantes Não há apadrinhamento nisso, há sim um mérito e um reconhecimento. A emenda parlamentar é um direito do cidadão.

Nos últimos anos, os espaços culturais da cidade foram sucateados, isso influiu diretamente na produção de espetáculos?
Com certeza. De uns quatro anos para cá, tivemos uma grande movimentação de espetáculos e shows. Somos muito procurados para receber shows internacionais, mas na Sala Villa-Lobos, se chover, as goteiras molham a plateia. Por exemplo, não tem estrutura de luz, camarins apropriados; Fica difícil receber grandes e até médios espetáculos. Hoje, a gente conta apenas com o Centro de Convenções, que tem uma acústica péssima. O que mais me preocupa é que a gente termina desmerecendo o público, cobrando um ingresso mais alto, porque você tem que alugar mais equipamentos para essas salas sem estrutura. Isso encarece demais uma produção.

Quais seriam, na sua opinião, as primeiras medidas que o secretário de Cultura deveria tomar?
Nesse momento, mais do que jogar arte na rua, é criar uma política pública de base. Porque o Distrito Federal, em geral, está num buraco negro. Não tem nada! Acho até bom, porque tudo pode ser construído com qualidade daqui para frente. Há 14 anos, perdemos nossa base cultural e ela precisa ser reerguida urgentemente. Também é necessária uma discussão direta com a classe artística, porque é ela quem sabe dos problemas.

O grupo Ossos do Ofício tem uma preocupação de aproximar Brasília das periferias. Você acha que esse deslocamento de olhar é possível?
É possível, sim, e precisa ser feito constante e urgentemente. As grande bases de transformação de nossa sociedade estão na periferia, das organizações sem fins lucrativos, das ONGs, e das comunidades que estão se unindo para construir uma sociedade melhor. Mas ainda falta muito esse diálogo com o Plano Piloto. A gente tem muito o que aprender com as satélites. É necessário também descentralizar os grandes eventos.

O agitador cultural José Damata certa vez bradou: ;É cultura ou crack;. Você também pensa dessa maneira? A redução da criminalidade tem a ver com o investimento em cultura?
As autoridades precisam saber da dimensão da cultura como modificador social. Só se vê a cultura como entretenimento e não como base de educação, de formação humana.

A onda de coletivos culturais pegou pra valer entre os brasilienses. Esse é o caminho para sobrevivência?

É o único caminho. Sozinha, a gente não é ninguém. Nos coletivos a gente discute mais, há diferentes visões para se chegar a um caminho que agrade a muito mais gente. O coletivo hoje é um transformador, como o pessoal do Nós no Morro, do Afroreggae, por exemplo.

O público brasiliense é diferente do público de outros lugares?
Com certeza. Costumo dizer que a gente tem o público mais generoso do Brasil. Ele é muito corajoso. A primeira vez que a gente trouxe o Cordel do Fogo Encantado em Brasília ninguém conhecia o grupo. Mesmo assim, lotou a Sala Villa-Lobos. É o maior prazer, o público paga pra ver e isso é muito legal. Mas as pessoas não deixam de ser críticas.

Você acha que as outras regiões do país sabem o que está acontecendo culturalmente no Distrito Federal?

Não. Não sabem. Por isso, esse é o nosso trabalho: a difusão do que ocorre de bom aqui. Historicamente, Brasília só consome a arte de fora e a arte que a gente faz aqui circula pouco. Para se dar um exemplo, os resultados dos últimos editais nacionais você vê pouca gente de Brasília sendo escolhida. Isso é um absurdo, as curadoria precisam olhar mais para o que está acontecendo aqui. Sair dos grandes centro e abrir mais a cabeça, garimpar mais. A internet é uma grande ferramenta para isso também. A gente tem muita coisa. Taí a Satélite 061 que não me deixa mentir.

Como foi a "construção" da revista Satélite 061?
É como a história do coletivo. A gente sempre teve vontade de ver esse escoamento da arte do DF acontecer realmente. A vontade de ouvir, ver e discutir sobre arte brasiliense provocou a criação da Satélite 061. A gente queria fazer um guia mesmo, das pessoas e grupos que fazem arte no DF, como uma lista telefônica, com links da internet para que os interessados pudessem acompanhar, contratar e se interessar pelo que está sendo feito aqui. A gente percebia que a cena cultural estava parada, sem fluxo e, se isso não roda, a cidade incha e fica tudo parado.

O Casa de Farinha era um grupo muito popular em Brasília e conseguiu também reconhecimento nacional, com prêmio, etc. Por que vocês encerraram as atividades?

O Casa de Farinha surgiu também dentro do Celeiro das Antas. Eu e Débora Aquino íamos fazer um espetáculo e contratamos a musicista Andréa Siqueira. O grupo começo quando a gente estava pesquisando para fazer a trilha do espetáculo que contava a história, por meio de bonecos, de Lampião e Maria Bonita, com atores executando ao vivo a trilha sonora do espetáculo. A gente se apaixonou por esse universo da cultura popular e daí veio a ideia de se criar o grupo. O primeiro show foi no Botequim Blues de Taguatinga e tínhamos apenas cinco músicas e repetimos o bis três vezes (risos). O Casa de Farinha abriu muitas portas musicais. Eu sai em 2008, mas não sei se acabou oficialmente.

Você vem de uma família de vários irmãos muitos deles ligados, de alguma forma, em produção cultural. Isso está no sangue?
Acho que está no sangue mesmo (risos). Somos 13 irmãos, desses, sete são artistas, DJs, produtores culturais. Quem começou a história fui eu, e eles foram gostando dessa forma de viver a vida.

A DJ Marta Crioula é uma personagem?
É uma personagem sim. É o momento em que me sinto mais solta. Toco o que eu quero, não tenho limite de estilo. Marta Carvalho é um pouco mais burocrática (risos).

Brasília já foi a capital do rock, e hoje? É dos DJs?

Brasília é nova, muito corajosa. A maioria dos DJs da cidade é feita por músicos e isso facilita muito. Barata , por exemplo, era baterista de sete bandas no DF quando começou a ser DJ e agora é até produtor. É mais uma forma de se expressar.