Em meio ao turbilhão de efeitos tridimensionais de Tron: o legado, dois convidados especiais podem passar despercebidos. Mas não para o fã de música pop, que abrirá o sorriso diante da imagem de dois DJs que, ocultados por capacetes, comandam a pista de dança high-tech do filme. Com o figurino que costuma usar em shows e entrevistas, a dupla Daft Punk entra em cena talvez para deixar claro o grau de envolvimento com a superprodução da Disney. Não precisava tanto. Mesmo quando não aparecem na tela, eles deixam marcas em quase todas as cenas do longa de ficção científica.
Por dois anos, os franceses Guy-Manuel de Homem-Christo e Thomas Bangalter, conhecidos por sucessos como One more time e Around the world, se dedicaram à aventura de escrever uma trilha sonora para o cinema. Um desafio inédito na trajetória da banda. A principal missão, nada simples, era fazer justiça às composições de Tron ; Uma odisseia eletrônica, de 1982, assinadas por Wendy Carlos (de Laranja mecânica). Ao lado de Joseph Trapanese, responsável pelos arranjos de orquestra, os ;homens-máquina; desenvolveram a ideia de mesclar elementos de música eletrônica e erudita.
;Parece complicado, mas foi muito tranquilo. Fiquei trancado numa sala com dois robôs, trabalhando pesado;, brincou Joseph, em entrevista de divulgação. Para quem reconhece os hits do Daft Punk e álbuns como Homework (1997) e Discovery (2001), o resultado da jornada musical pode provocar surpresa. São poucos os momentos da trilha em que se nota a euforia típica da house music, estilo que sedimentou a carreira dos ídolos. Raras são as faixas que, a exemplo da acelerada Derezzed, têm potencial para ferver as pistas. O objetivo é outro: criar as atmosferas suntuosas de épicos hollywoodianos, mas com tempero europeu.
Visual futurista
A ideia de convidar o Daft Punk partiu do diretor do filme, Joseph Kosinski, que associou a eletrônica da banda ao visual futurista da narrativa. Fã do primeiro Tron, Guy-Manuel aceitou a proposta dos estúdios Disney. Thomas, que havia escrito a trilha do drama francês Irreversível (2002), de Gaspar Noé, comentou que a condição da dupla foi que as músicas não fossem gravadas apenas com sintetizadores e baterias eletrônicas. Nos estúdios AIR Lyndhurst, em Londres, eles reuniram uma orquestra de 85 integrantes.
O currículo cinematográfico dos músicos, ainda que sucinto, inclui a animação japonesa Interstella 5555 (2003) e o experimental Electroma (2006) ; esse último dirigido pelos próprios artistas. Mas as ambições, dessa vez, são muito maiores. Inspirado nas trilhas de compositores como Max Steiner (Rastros de ódio), Bernard Herrmann (Psicose), Vangelis (Carruagens de fogo) e Maurice Jarre (Doutor Jivago), o Daft Punk criou faixas que mesclam referências clássicas com efeitos pop que remetem às aventuras espaciais e aos games dos anos 1980.
A atmosfera soturna da trama contamina músicas como The game has changed, a primeira apresentada aos fãs, já no primeiro trailer. Simultaneamente, no entanto, muitas das cenas foram adaptadas para emoldurar os ambientes criados pela trilha. Se o resultado condiz com as muitas ousadias anteriores do duo ; que volta a brincar com as regras de um gênero musical ;, ele soa diferente de tudo o que ele gravou. Ora frustrante (as faixas são curtas e criadas quase exclusivamente para o filme), ora inusitado. Mas, como sempre, nada mundano.