Na noite da primeira quinta-feira de agosto, uma multidão incalculável de fãs da banda canadense Arcade Fire se preparou para assistir a um dos maiores shows do ano. Sem a necessidade de disputar os melhores lugares diante do palco, no entanto, eles se acomodaram diante do computador e clicaram o mouse. Se o desafio é escolher um único episódio capaz de resumir o espírito do rock independente em 2010, o concerto transmitido em tempo real diretamente do Madison Square Garden, em Nova York, cumpre o papel. Além de provocar uma torrente de gritinhos histéricos via Twitter, o espetáculo provou que os indies conquistaram um palco confortável (e concorrido) no coração do público.
Os indícios dessa invasão - que navega aceleradamente via web - impregnaram as paradas de sucesso: apareceram nos samplers do rapper Kanye West (que se aliou até ao cult Bon Iver no elogiado My beautiful dark twisted fantasy), nos climas psicodélicos da musa soul Janelle Monáe (que lançou o ótimo The ArchAndroid) e no pop "impuro" de celebridades como Rihanna e Drake. Mas foi o Arcade Fire que se responsabilizou pelo feito mais notável do ano: agregou blogs, sites, rádios, tevê e as anacrônicas lojas de discos em torno de The Suburbs, um álbum "à moda antiga", com porte de megaevento.
As grandes gravadoras tiveram que correr atrás: produzido de forma totalmente independente, com todos direitos autorais garantidos para a banda, o disco provocou rodadas de negociações entre selos pequenos e parrudos (no Brasil, saiu pela Universal Music). Um modelo empresarial que diz muito sobre a maturidade da cena indie. Os nova-iorquinos do Vampire Weekend, por exemplo, não viram necessidade de abandonar o selo XL Recordings. Ainda assim, venderam 400 mil cópias de Contra, o segundo trabalho de estúdio, nos Estados Unidos. A dupla Beach House, queridinha da crítica, também surpreendeu ao estrear em 6º lugar na parada de rock alternativo da Billboard com Teen dream.
A fase de crescimento dos pequenos selos - e a consolidação de gravadoras indie já bem nutridas, caso da Sub Pop e da inglesa Domino Records - permitiu que cenas pouco conhecidas ganhassem repercussão. Nos Estados Unidos, que superou a Inglaterra e apresentou as novidades mais elogiadas da safra 2010, a onda californiana refrescou o mercado, com as vozes femininas do Best Coast e Warpaint, o garage rock do Wavves, a colagem caseira de Ariel Pink e os experimentos pop do Local Natives. A descoberta curiosa, no caso, está na forma como essa nova geração de músicos interpreta antigas referências de surf music e power pop num formato garageiro, de "baixa fidelidade".
Poder ao Canadá
Em fase de colheita, o rock canadense produziu muitos dos lançamentos mais esperados da temporada. Entre eles, os retornos do New Pornographers (Together), Wolf Parade (Expo 86), Broken Social Scene (Forgiveness rock record), Crystal Castles (em disco homônimo), Caribou (Swim) e, é claro, Arcade Fire. Com subsídio do governo para custear longas turnês, os grupos do Canadá seguem no fortalecimento de um dos cenários mais produtivos do início do século 21. Longe da América, países europeus como a Suécia (ceo) e Espanha (Delorean, El Guincho) apontaram o caminho para um pop livre de culpas, fluente e com ares tropicais. Da Austrália, o Tame Impala aplicou lisergia para esquentar estádios.
A Grã-Bretanha, habituada a ditar modismos, assimilou essas frequências estrangeiras, mas respondeu ao período de euforia com certo cansaço. As ousadias progressivas do These New Puritans (que lançou o soturno Hidden, eleito o melhor do ano pelo semanário New Musical Express), mal despertaram curiosidade longe da ilha, enquanto produtos tipicamente britânicos, como o Field Music (do talentoso Measure), o Belle and Sebastian (Write about love), o Manic Street Preachers (Postcards from a young man) e o Teenage Fanclub (Shadows), não decepcionaram, mas fizeram questão de invencionices.
A ousadia dos que tentaram se reinventar, no entanto, nem sempre foi recompensada. O duo americano MGMT mergulhou nas referências psicodélicas do fim dos anos 1960 e se afastou do pop em Congratulations, fracasso de vendas. Já a cingalesa M.I.A. radicalizou a paranoia política em posts do Twitter que não soaram tão agressivos quanto a eletrônica de MAYA. Os ingleses do Klaxons também não tiveram fôlego para superar a pecha %u201Cnew rave%u201D no frustrante Surfing the void. Melhor sorte teve o nova-iorquino James Murphy, que venceu um bloqueio criativo e gravou o inspirado This is happening, do LCD Soundsystem. Mas anunciou: discos nunca mais.