Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Antonio Meneses conta em livro sua trajetória cheia de luta e música

Difícil vencer a discrição cultivada ao longo de quatro décadas vividas entre Alemanha e Suíça. Antonio Meneses não é um sujeito que se entrega com facilidade. É tímido e discreto, uma combinação que poderia ter transformado o projeto dos jornalistas João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros em uma pequena frustração. De fato, Arquitetura da emoção é um tanto frustrante para quem espera descobrir quem é o ser humano Antonio Meneses, nas 256 páginas escritas com a ajuda de um intenso mês de entrevistas e muita pesquisa. Mas o músico está ali em toda a sua plenitude. E esse é o barato do livro.

Arquitetura da emoção nasceu de uma brincadeira, em novembro de 2009, durante conversa informal com Luciana e Sampaio. O violoncelista se preparava para operar de um tumor no braço direito. Acabava de encerrar turnê com a cravista Rosana Lanzelotte e estava naturalmente aflito com a perspectiva do longo pós-operatório que o obrigaria a ficar longe do instrumento. Os jornalistas então brincaram: durante a convalescência fariam as entrevistas para o livro. "Em cinco minutos virou projeto sério. Embarcamos um mês depois para a Europa", conta Luciana.

Para Sampaio, a maior revelação do livro foi descobrir a capacidade do instrumentista em associar técnica e inspiração num equilíbrio destinado exclusivamente a explorar as capacidades expressivas do instrumento e do repertório. "Vemos os grandes solistas como figuras heroicas, míticas, que tocam de tudo. Faz parte do imaginário como público. O que me fascinou foi ver como ele consegue o diálogo entre técnica e inspiração", diz. O que faz do brasileiro um dos 10 violoncelistas mais importantes dos últimos 30 anos e um gênio musical, na concepção de Sampaio, é a maneira como se aproxima do instrumento. "Ele tem necessidade de entender a obra, a arquitetura e a lógica da partitura e é essa tensão que faz do Antonio um músico diferenciado, as interpretações dele ganham caráter individual."

Passaporte
Meneses mora em Basel, na Suíça. Trocou o Brasil pela Europa aos 16 anos para se tornar o mais importante instrumentista de cordas com passaporte brasileiro e um dos mais reverenciados no cenário internacional. Nascido em Recife e radicado no Rio de Janeiro desde menino, filho de um trompista da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal, deu os primeiros passos na vida profissional aos 14 anos, quando passou a integrar o naipe de violoncelos da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB). O talento do rapaz chamou a atenção do italiano Antonio Janigro, um dos nomes mais importantes no ensino do violoncelo no século 20.

Menino, com as economias juntadas graças ao emprego na OSB, embarcou para a Alemanha para estudar com Janigro. Nada de terminar o segundo grau ou de esperar mais um pouco. Meneses tinha pressa e aproveitou a oportunidade. Chegou à Alemanha sem falar a língua, sem um destino certo e sem noção das diferenças de câmbio entre Europa e Brasil em meados dos anos 1970. Foi difícil, o dinheiro acabou antes da hora, mas o violoncelo estava lá e a persistência também.

De lá para cá, Meneses ganhou o primeiro lugar do Concurso Tchaikovsky, em 1982, e no ARD de Munique, o mais importante em música erudita da Alemanha, antes de integrar o Beaux Arts Trio ao lado do pianista alemão Menahem Pressler. É desta trajetória que trata a primeira parte de Arquitetura da emoção.

Detalhe
O caminho percorrido pelo violoncelista de 56 anos o fez permanecer as últimas quatro décadas em solo europeu, o que também ajudou a moldar sua personalidade. Luciana atribui a este detalhe a reserva do artista sobre a vida pessoal. "Ele não se furtou, apenas colocou limites em função dessa discrição natural, principalmente em relação às coisas que viveu com outras pessoas, mas nunca se furtou a investigar nada com a gente, apenas nesse lado particular ele colocou limites", explica Luciana. "Geralmente chega-se aos limites quando os assuntos são mais pessoais. Um pequeno exemplo, no meu caso, seria meu primeiro casamento. Por diversas razões preferi não entrar muito nesse assunto, mesmo que tenha sido uma época muito importante da minha vida", diz Meneses.

É em relação à vida musical do instrumentista, especialmente detalhada na segunda parte do livro, que Arquitetura da emoção se torna revelador. Descobre-se então a enorme influência de Menahem Pressler no entendimento musical de Meneses, assim como a forte presença de Janigro na maneira como concebe a educação na área. Se dona Nydia Otero foi a professora da infância, a responsável por enxergar o talento do menino e senbilizá-lo para o instrumento, o mestre italiano fixou a técnica e a disciplina, apontou a lógica do violoncelo. De Pressler, Meneses se encantou com a objetividade, muitas vezes rude, mas invariavelmente produtiva. "Menahem é a figura central da vida dele do ponto de vista de parceria musical, é o parceiro mais fundamental", constata Luciana. Na explicação de Meneses, é simplesmente uma pessoa com quem dá prazer conviver. Assim, a parceria é consequência. "Não gosto de tocar com quem não me dá prazer conviver, com quem eu não me identifico", diz o músico.

O Beaux Arts Trio está entre as 10 formações de câmara mais importantes do século 20. Formado em 1955 por Menahem Pressler, pelo violinista Daniel Guilet e pelo violoncelista Bernard Greenhouse, virou referência na gravação de todo o repertório para trio com piano e passou por várias formações. Meneses passou a integrá-lo em 1998.

Casamento
No início, resistiu ao convite por conta de uma agenda intensa que se dividia entre concertos na Europa e nos Estados Unidos e um casamento do qual nasceu o único filho. Cedeu e colheu os frutos. "Se ouço gravações minhas pré-Trio, está tudo muito bom, bom de verdade. Mas existe algo, uma dimensão a mais que eu intuía mas não conhecia, não sabia como atingir, que só aprendi com Menahem. O intérprete sabe que existe um ponto além do meramente bom, que é o maravilhoso. Mas como chegar lá? Menahem me mostrou", conta o músico em Arquitetura da emoção, que vem acompanhado de um CD com peças inéditas selecionadas para relembrar a trajetória narrada no livro.

Uma das maiores dificuldades de Luciana e Sampaio foi concluir o livro. No auge da carreira, o instrumentista nem passa perto de encerrar as atividades. Além das aulas no Conservatório da Basileia, a agenda de concertos para este fim de ano inclui 10 apresentações, sete ao lado de Menahem Pressler, parceiro constante mesmo depois do encerramento das atividades do Beaux Arts. E o violoncelo é uma presença física vital. Não um instrumento específico, mas qualquer violoncelo.

Portanto, o último capítulo de Arquitetura da emoção é de perspectivas, anseios e expectativas. "É muito difícil terminar a história, então o capítulo final não é fim, é uma abertura de ideias, esperanças e futuro, apesar de ele já ter uma história construída e muito interessante e cheia de fatos relevantes. Ele enxerga muito pra vida. Diz que esse livro é como uma maneira de parar para analisar o que fez até hoje e começar um novo período", diz Luciana. "Seria mais um balanço", completa Meneses, econômico ao descrever a maneira com encara o livro.

Trechos do livro Antonio Meneses; Arquitetura de emoção, de João Luiz Sampaio e Luciana Medeiros

"Um momento decisivo para Antonio, quando a música começou a ganhar um sentido e aspirações próprias dentro dele, aconteceu durante uma apresentação da sinfônica, na qual Jaques Morelenbaum tocou como solista um concerto em ré menor de Vivaldi. "Fiquei fascinado com a ideia de alguém tocando como solista de orquestra ; e aquela música mexeu muito comigo. Eu não era mais um espectador e começava a perceber o sentimento, vindo de dentro. Corri para o maestro: "Se eu aprender essa peça. O senhor deixa eu tocar também?. Deixo, pode aprender." Fui falar com D. Nydia, comecei a estudar. Um dia, cheguei para o maestro: `Aprendi.; E ele: `Ah é? Então vamos programar logo.; Dito e feito: o primeiro solo com orquestra seria realizado na Casa do Estudante, aos doze anos."