A situação caótica do Espaço Cultural Renato Russo (508 Sul) ganha um tom mais dramático. Além do visível sucateamento das dependências dos teatros e da galeria, a marquise, voltada para a W3 Sul, põe em risco a vida dos transeuntes. ;Ela pode ceder a qualquer momento;, alerta a diretora do espaço, Elaine Ruas. A Novacap e as secretarias de Cultura e de Obras têm ciência do risco de desabamento, pelo menos, desde janeiro de 2009. ;Quando soube que a marquise tinha cedido, chamei os técnicos da Novacap para avaliarem a situação. Em seguida, o órgão notificou a Secretaria de Obras. Acredito que o pedido esteja em licitação;, completa Hélio Muniz, responsável pela área patrimonial da Secretaria de Cultura.
Elaine Ruas afirma, no entanto, que foi comunicada pela Secretaria de Cultura de que não havia recursos para a reforma urgente. ;Quando vi a urgência da situação, sugeri que usassem o dinheiro do convênio do Pontão de Cultura para restaurar a marquise. Mas disseram que não havia mais prazo de execução neste ano;, pondera a gestora, que descobriu esse relatório quando assumiu a função ; há quatro meses.
Elaine Ruas acredita que a intervenção no Espaço Cultural Renato Russo só não ocorre se não houver vontade política do próximo governo. ;O dinheiro não é a questão. Ao longo de três anos, teremos R$ 1,5 milhão na conta. Se o governador quiser reformar o patrimônio, consertamos tudo;, afirma a gestora, que acaba de fazer um relatório levantando todos os problemas do local. Além do problema da marquise, a lista é enorme.
É preciso modernizar as instalações elétricas do teatro com novos equipamentos de iluminação cênica e de som; climatizar as quatro salas de espetáculos (Galpão, Multiuso, de Bolso e Marco Antônio Guimarães); dar acessibilidade ao centro; criar saídas de incêndio e emergência; comprar equipamentos (lâmpadas, refletores, projetor de filme, forno de cerâmica); fazer arquibancadas e restaurar cadeiras; construir pisos; pintar e retirar goteiras dos tetos.
Quem conhece o Espaço Cultural Renato Russo de hoje não imagina a frustração dos artistas que viveram o auge de sua importância, na década de 1970. ;Ele foi um marco na história da cidade. Quando chegamos a Brasília, o primeiro lugar a que nos levaram foi lá. Era uma arena simpática, livre, inspiradora;, recorda-se o dramaturgo e diretor Hamilton Vaz Pereira, 58 anos, um dos fundadores do grupo teatral carioca Asdrúbal Trouxe o Trombone.
Pioneiro na mistura entre circo e teatro, o fundador do Udi Grudi, Marcelo Beré, também incomoda-se em assistir ao descaso com que seguidas administrações do GDF trataram os espaços culturais da cidade. ;Não entendo como deixaram chegar nesse ponto. Enquanto outros países protegem seus bens culturais, os políticos brasileiros os desprezam. Recentemente, uma atriz italiana foi convidada a dar aulas de interpretação lá na 508 e disse que não conseguia sequer enxergar o rosto dos alunos;, revela Beré.
Fios elétricos expostos e retorcidos em canos, falta de climatização e condicionamento de ar e até mesmo ausência de arquibancadas e cadeiras para acolher a plateia são alguns exemplos que encontramos no interior do centro cultural da 508 sul. E ele já esteve em situação pior. ;Nos últimos anos, chovia na sala Marco Antônio e quem visitasse as galerias de arte encontraria um depósito de material sem destino;, conta a diretora.
Há três meses as telhas foram trocadas e as galerias pintadas. Mas ainda há muito o que fazer. No Galpão, por exemplo, não há arquibancadas. O local também não recebe mais os grupos importantes da cena de arte contemporânea. E, para voltar a receber, a Secretaria de Cultura precisa investir em cursos, além da reforma predial. ;Podíamos contratar artistas profissionais e abrir até 50 oficinas por ano. Também sonho fazer um link entre as escolas e as obras, ter um trabalho intenso com a comunidade. Temos orçamento para isso, mas não temos pessoal;, ressalta.
Elaine Ruas revela que o relatório com os problemas chegou às mãos do representante do governo de transição, Ricardo Moreira. ;Agnelo Queiroz prometeu criar 200 novos Pontos de Cultura (convênio com o Ministério da Cultura). Como somos o primeiro Ponto de Cultura e estamos encontrando dificuldades, imagino que ele nos dará apoio;, diz. ;Só temos autonomia para compras de até R$ 8 mil. Orçamentos a partir desse valor é a central de compra do governo quem decide. Ou seja, a partir daí é uma questão política;, completa Elaine.
Vida efervescente
Galpão, Galpãozinho e Centro de Criatividade. Esses eram os nomes das salas rebatizadas na década de 1990 de Espaço Cultural Renato Russo. No início dos anos 1980, o Circo Teatro Udigrudi ensaiava e se apresentava no Galpão. O local sempre foi o espaço ideal para o trabalho cênico e acrobacias que a turma faz em cena. Na época, tudo ainda era muito improvisado, mas já havia se tornado um celeiro de artistas circenses, plásticos, musicais, cênicos.
;Era muito mambembe, mas não chegava a ter gambiarra como agora. Não era descaso, era estilo. Ele tem a metragem perfeita;, diz Marcelo Beré. Na década anterior, o diretor da Fundação Progresso, Perfeito Fortuna, e o diretor e dramaturgo Hamilton Vaz Pereira também se encantaram com a arena do Galpão, onde tocaram várias vezes seus trombones.
A capital foi a primeira cidade que o a trupe do Asdrúbal Trouxe o Trombone apresentou a criação coletiva em cima do texto de O Inspetor geral, de Gogol. ;A plateia era receptiva e o movimento cultural efervescente. Tinha arquibancadas grandes com um tablado no centro à frente. Não era aquela coisa tradicional, palco italiano. Era um espaço que tinha a ver com o que fazíamos: um teatro diferente, solto;, recorda-se Hamilton, que recentemente esteve em Brasília e soube por conhecidos que a saudosa arena estava abandonada.
;Uma tristeza e uma irresponsabilidade; afinal, a função do poder público é manter os equipamentos adequados; o patrimônio cuidado;, aponta. Poeta e produtor cultural, Perfeito Fortuna, diretor da Casa Fundição Progresso, no Rio, é outro que tem especial carinho pelo teatro da 508 Sul e não esquece de alguns momentos passados na casa.
;Lembro dos cursos que fizemos com o diretor Hugo Rodas; e também com Léo Jaime, que participou de umas improvisações com a gente. Sempre fomos muito bem recebidos. Lembro da geração de poetas, pré rock, da cidade, cheia de ideias libertárias, novas, que habitavam o Galpão. Espero que o movimento artístico de Brasília reivindique e, se necessário, ocupe a 508 Sul com arte e responsabilidade;, provocou.