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Diversão e Arte

Noel Rosa: há cem anos nasceu o poeta que revolucionou a música brasileira

Na madrugada de 9 para 10 de dezembro de 1910, o Rio de Janeiro vivia em estado de quase convulsão social. A reação do governo da então capital federal sufocava com tiros de canhão o último levante relacionado à Revolta da Chibata, na Ilha das Cobras, dentro da Baía de Guanabara.

Em meio a uma cidade dividida, o médico José da Graça Mello foi chamado às pressas para o chalé da Rua Teodoro Silva, em Vila Isabel. O parto, complicado pela bacia estreita da mulher, só foi resolvido com a ajuda de outro médico, Heleno Brandão. Um fórceps mal executado acabou por fraturar o lado direito do maxilar do bebê, que dias depois recebeu o nome de Noel de Medeiros Rosa.

Nas primeiras décadas do século 20, o samba, como retrato do próprio Rio, poderia ser considerado um ritmo partido. Foi no Morro do Estácio, espremido entre o samba de roda e o maxixe, que teve gênese o samba contemporâneo. A reinvenção do gênero, no entanto, só ganhou o asfalto, poesia e o lirismo atuais a partir do protagonista principal do chalé da Teodoro Silva.

Nascido há exato um século, foi apenas a partir dos anos 1950 que a obra de Noel Rosa se fez perene a partir de regravações de Aracy de Almeida, uma de suas intérpretes favoritas. A obra do compositor branco, de classe média, mirrado, com apenas sete anos de produção intelectual, até o seu desaparecimento em 1937, percorreu um purgatório de 13 anos até que, redescoberta, o transformou no mais influente letrista da história da música brasileira.

Figura controversa, escorregadia, amante da boemia, das zonas de meretrício e da velha Lapa, avesso à luz do dia, porque ;levava as morenas embora;, Noel Rosa jogou todo seu talento em sete anos de produção. Cercou-se de pouco mais de 60 parceiros, entre os quais Antônio Nássera, Cartola, Ismael Silva, Wilson Batista, Braguinha, Almirante e o mais produtivo deles, Vadico, com quem compôs sua obra-prima O último desejo, além de Feitio de oração e outras. ;A lista de parceiros de Noel passa por praticamente todos os morros do Rio de Janeiro daquela época;, diz o biógrafo Carlos Didier.

Amizade
Deixou um legado de 252 composições, fora parcerias que não assinou pelo que chamava de ;nossa amizade;. Produziu uma obra atemporal, tão irônica quanto lírica, com temas até hoje atuais, como a invasão cultural norte-americana. ;Até Noel, a lírica musical brasileira era parnasiana, idílica e o amor, algo inatingível. Ele vulgariza isso tudo, trazendo inclusive o amor para uma linguagem cotidiana, coloquial, extremamente moderna. Ele entende o modernismo mais do que boa parte dos modernistas;, explica o historiador André Diniz.

Em uma era em que rádio e a mídia eram incipientes, soube cultivar polêmicas e, no rastro delas, se eternizar. Somente para a inspiração do primeiro sucesso, a paródia do hino nacional Com que roupa, inventou um par de histórias diferentes ; da mãe que havia escondido suas roupas para que não saísse à noite até uma canção política, sobre o estado do país na época, uma nação de ;tanga;, como gostava de dizer. Da mesma forma, trava um duelo musical com Wilson Batista, amplamente divulgado e motivado por ciúmes da mesma Ceci que, além de inspirar O último desejo, também o levou compor A dama do cabaré. Ao morrer, aos 26 anos, deu início ao final da era de ouro da música brasileira, que nunca mais teria o mesmo vigor.