São Paulo ; Qualquer pessoa sabe cantarolar ao menos um trechinho de Beatles, mas poucos conhecem a história anterior à lenda. O garoto de Liverpool (Nowhere boy), da diretora estreante inglesa Sam Taylor-Wood, ao contrário das dezenas de filmes e documentários já existentes, trilha este caminho inverso. Baseado no livro Imagine this: growing up with my brother John Lennon (Imagine: crescendo com meu irmão John Lennon), escrito pela meia-irmã de Lennon, Julia Baird, o filme mostra os primeiros passos do jovem John (Aaron Johnson, de Kick-Ass). Rebelde, cheio de problemas familiares e sem saber tocar dois acordes seguidos, ele um dia decidiu ser igual ao Elvis Presley e chamou seus amigos para montar uma banda. Mal sabia que dividiria o mundo em antes e depois dos Beatles.
Deixando a época da beatlemania de lado ; o baterista Ringo Starr nem aparece no filme e nenhuma música da banda está na trilha ;, O garoto de Liverpool chega às vezes a parecer um dramalhão familiar. Abandonado pelos pais aos 5 anos de idade, um John adolescente vê seu tio falecer e tem que morar sozinho com a tia Mimi (Kristin Scott Thomas), uma mulher incapaz de um gesto de carinho sequer.
Pouco preocupado com os estudos, John vive seus primeiros 17 anos entre cigarros, cervejas e suspensões na escola, com direito a se despir na frente das colegas e a pegar uma ;carona; no teto de um ônibus. A vida só começa a fazer sentido quando ele reencontra a mãe que o abandonou e aprende, em um banjo, as primeiras notas musicais. Mas o passado de sofrimento pelo abandono familiar insiste em voltar. E tudo piora ainda mais quando a mãe de John sofre um acidente fatal.
Estrela
A infância problemática com a falta de uma base familiar sólida é a história principal de O garoto de Liverpool e explica muito sobre a figura do futuro John Lennon, considerado revolucionário por muitos e apenas mais um agitador para outros. Mas o grande atrativo do filme mesmo são os primeiros passos de John como músico aficionado com a ideia de ser uma estrela do rock, em uma fuga à sua triste realidade. Depois de ganhar seu primeiro violão e arrebentar algumas cordas, Lennon entra no banheiro da escola e convoca seus amigos para formar uma banda, sem se importar se eles mal sabiam o que era rock. Estava formada a The Quarrymen, banda escolar que precedeu os Beatles, com direito a baixo improvisado e percussão em tábua de lavar roupa.
As referências à maior banda de todos os tempos estão apenas nos detalhes, mas chamam a atenção. John passa em frente ao orfanato Strawberry Field, próximo à rua de sua casa em Liverpool, que mais tarde seria inspiração para Strawberry fields forever. Ainda anônimo, é barrado por seguranças e não consegue entrar no The Cavern, pub inglês que mais tarde seria palco para as primeiras apresentações dos Beatles.
O grande diferencial, no entanto, está na relação entre os jovens John e Paul McCartney (Thomas Sangster). De início relutante em perder espaço diante de um guitarrista prodígio e boa pinta (com cravo na lapela e tudo), John aceita Paul na banda. Só aos poucos a desconfiança dará lugar a uma amizade tão produtiva quanto polêmica, concretizada quando McCartney de apenas 15 anos dá aulas de música para John e o incentiva a compor suas primeiras canções. São os primeiros acordes de um garoto de Liverpool que mais tarde seria idolatrado em todo o planeta.