A loucura transformada em saúde e a arte como medicamento nortearam a curadoria de Wilson Lázaro ao selecionar as 125 obras que integram a exposição Obra-vida ; sonho e realidade, em cartaz no Salão Branco do Congresso Nacional a partir de hoje. Arthur Bispo do Rosário viveu durante 50 anos no hospital psiquiátrico Colônia Juliano Moreira, no Rio de Janeiro. Entre 1939 e 1989, esteve internado com diagnóstico de esquizofrenia e paranoia. Começou a produzir durante os ateliês de arte destinados à terapia dos internos, mas foi além da simplicidade ao criar uma arte complexa, na qual procurava reinventar o mundo à sua volta com a construção obsessiva de peças montadas com objetos encontrados no próprio hospital.
Bispo nunca tomou remédios e fez da arte seu medicamento particular, por isso Lázaro encara a seleção de obras como produto saudável de uma loucura doentia. ;É a primeira vez que a obra dele vem a Brasília em uma exposição individual e fiz um recorte que foge do padrão. Todo mundo conhece os mantos e estandartes, mas eu trouxe uma parte da obra que, para mim, é a principal. São objetos em tamanho pequeno em que ele refaz o cotidiano e cria a partir disso;, diz o curador. No lugar dos mantos ; grandes túnicas nas quais o artista bordava objetos significativos de seu dia a dia na colônia ;, Lázaro traz pequeninos objetos, muitos deles ensaios para as peças pregadas em obras de grande porte.
Obra-vida: sonho e realidade
Exposição de obras de Arthur Bispo do Rosário. Curadoria: Wilson Lázaro. Abertura hoje, às 18h, no Salão Branco do Congresso Nacional. Visitação até quinta-feira, 9 de dezembro, das 9h às 19h." />As obras fazem parte do acervo do Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea, no Rio, do qual Lázaro é também o curador, e a exposição foi idealizada para celebrar a 6; Semana de Valorização da Pessoa com Deficiência, que acontece no Senado até quinta-feira. Bispo do Rosário passou mais da metade da vida internado e produziu boa parte das obras dentro do hospital. Entre 1940 e 1960 chegou alternar períodos na Colônia Juliano Moreira e um sótão no Bairro de Botafogo, no qual se trancava para criar. Sucata e lixo eram as matérias primas coletadas para compor um relicário cuja referência era sempre o próprio universo.
Durante muito tempo, a loucura fez com que a obra de Bispo fosse considerada produto de uma terapia e não arte contemporânea. ;Hoje a loucura não é importante diante dessa criação toda que ele realizou. A loucura está na criação. Tem que ser louco para criar uma obra desse porte. Ele transformou a loucura em sanidade;, diz Lázaro. Na década de 1980, o psicanalista e fotógrafo Hugo Denizart passou alguns dias na Colônia Juliano Moreira para realizar um filme e descobriu os objetos de Bispo. Encantado, fez o curta O prisioneiro da passagem, que será exibido durante a exposição. Foi o primeiro passo para a obra do artista começar e ganhar dimensão e se tornar referência na arte contemporânea brasileira.
Depois de realizar o filme, Denizart levou o crítico de arte Frederico de Morais para conhecer os trabalhos de Bispo. A qualidade e a simbologia da obra fez Morais organizar a primeira grande exposição do artista no Museu de Arte Moderna do Rio (MAM/RJ). A maneira como as peças eram construídas inseriu Bispo no cenário artístico da época. Se Hélio Oiticica fez os parangolés para serem usados como túnicas, Bispo criou roupas para performances e chegou a ser fotografado por Walter Firmo com as vestimentas. ;Está na hora de ver que tem obras dele que mostram que passou pela arte concreta, pelo desenho, pela arte conceitual e que as pessoas não conhecem;, explica Lázaro.
A religiosidade também é presença importante no universo do artista. Alguns dos objetos de Obra-vida são confeccionados com o fio azul do uniforme usado pelos internos do hospital e a cor aparece em muitas peças. ;Esse azul é do uniforme, mas também é o azul do manto do menino Jesus.; O curador procurou obras capazes de sintetizar o pensamento de Bispo, mas também de traduzir o caminho criativo do artista. ;Todo o processo de criação dele está ali. Costumo dizer que essas peças são como uma caixa de joias que guarda as coisas preciosas do Bispo;, diz.