Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Coletânea do goiano Augusto Rodrigues fala das peculiaridades de Brasília

;Eu te mostrarei um lugar/ Acima das planícies desérticas/ Onde as ruas não têm nome;, dizem os versos de Where the streets have no name, do U2. Esse lugar é Brasília. Bono Vox certamente não pensou nessa interpretação. Mas Augusto Rodrigues, sim. O livro de poesias Onde as ruas não têm nome, com lançamento hoje, às 19h, no Sebinho (406 Norte), é ode à capital escrita por um goiano, que mora aqui há apenas três anos e meio. A cidade despertou um lirismo que ele desconhecia em seus textos. ;Escrevo desde menino, mas só achei o meu estilo em Brasília. Já não escrevo poemas, escrevo livros;, conta. A obra foi reconhecida com o prêmio Fernando Mendes Vianna, entregue pela Associação Nacional de Escritores (ANE).

Morador da 416 Norte, o escritor e professor de literatura brasileira da UnB caminha pela cidade prestando atenção nas avenidas largas, nas tesourinhas que atazanam os motoristas e até no movimento silencioso de janelas abertas. ;Fico andando e fazendo os poemas na cabeça. Olho para o mundo como um romancista, mas, quando chego em casa, em vez de escrever um romance, escrevo um poema;, revela.

Apesar do encantamento com a arquitetura, Rodrigues, 36 anos, projeta nos textos a experiência urbana das pichações e do rock oitentista. ;Em Brasília, tudo é federal. E a poesia é regional. Tento articular essa consciência da literatura brasileira com o elemento arquitetônico e, claro, com essa coisa da geração Coca-Cola, Legião Urbana. Como sou de Goiânia, acompanhei Legião lá, acompanhei aqui;, descreve.

A aproximação com a pichação se deu quando cursava o mestrado, baseado no livro As cidades invisíveis (1972), de Ítalo Calvino. Mais atraído pela urbanidade do que pelo confinamento acadêmico, Rodrigues viajou para mais de 200 cidades e elegeu São Paulo como destino prioritário. ;Lá, entrei em contato com a pichação, a performance, a massa. Em São Paulo, você tem performances o tempo todo, na rua, na madrugada. Mendigo, torcedor do Corinthians. Tento equilibrar, na poesia, a pichação e a arquitetura, para que nenhum seja mais importante do que o outro. Os dois têm uma beleza;, acredita.

Rabiscos de spray
A escrita de Rodrigues nasce da divergência: rock e academia, arquitetura e pichação. E o confronto se faz presente na disposição gráfica dos versos. O título de cada poema simula os rabiscos do spray ou do rolo de tinta, sempre na página à esquerda. À direita, aparecem os versos, quase sem pontuação e com raras letras em maiúsculo. ;Exploro muito como é andar na cidade, em determinados momentos e pontos, a relação que fui desenvolvendo, por exemplo, ao morar na Asa Norte;, explica. Em Percorrer a canção do tempo, a referência é explícita: ;poucos carros/ Poucos porteiros /Na ponta da ponta /Da asa da asa norte". Ou como narra Primeira manhã de março: ;uma vontade de caminhar pelo eixo /Uma vontade de comprar jornal na banca /Uma vontade de nadar nas águas minerais do fim do mundo;. O encanto do autor pela capital, sua morada e musa, é inesgotável.

ONDE AS RUAS NÃO TÊM NOME
De Augusto Rodrigues.
Editora Thesaurus, 110 páginas. Lançamento hoje, às 19h, no Sebinho (406 Norte, Bl. C, Lj. 78). À venda no evento a R$ 30. Informações: 3344-3738.

POESIA

Era uma vez Atlântida: país do futuro

quando a cidade surgiu
ela não pensava em nada

desejava apenas
o riacho fosse lago
que o lago, com
sua água, fosse mais

quando a cidade cresceu
ela pensava em tudo

desejava sempre
o lago fosse mar
e que o mar, com
sua força, força d;água

inundasse tudo fundasse
tudo e inventasse tudo

e brasília bela bela:
- submersa bela mar

Envio, abaixo, poesias do livro Onde as ruas não têm nome (de Augusto Rodrigues; editora Thesaurus) como ícone para a edição de segunda (06/12) do Diversão & Arte.

Conjunto SQS de furos no chão

o viajante lançou no ar
notas desconhecidas
tempos de outrora
espaços de canção

crianças lançadas entre
cavidades de terra crianças
de cabelos vermelhos

a terra é imensa e azul
o viajante estátua sem tempo
nem espaço: infância apenas

"e eu que não sabia dos meninos
que jogavam contas de vidro azul...
eu que não sabia nada
eu que jogava com letras escarlates"

nas locas rubras de vermelhas
a terra era o quintal do mundo
a infância jogo das bolas de gude
o quintal era o mundo: e o mundo era

Sinfonia da calçada em sol maior

quando brasília nasceu
tudo era cheio de vida
e a vida toda era uma só

quando brasília surgiu
tudo era tão simples
e o tempo tão simples

quando brasília manheceu
tudo era tão quase
no quase quase tudo: sol

quando brasília se abriu
tudo era pra sempre
para sempre: nascente

O maior espetáculo da terra

brasília é o maior espetáculo da terra

tem o anjo damiel
o palhaço gabriel
a trapezista que voa
misteriosa pelo ministério:
das cidades o mágico
tira da cartola
tira da cachola
o maior espetáculo da terra

girafas soltas e clarices
correm pelas letras
os pardais, eles brincam mais,
fazem sorrir o velho da faixa
e o motorista guia a zebrinha
corre corre pelo planalto picadeiro

o maior espetáculo da terra é o mundo

e dentro da minha cartola
que guarda minha cachola
minha caneta meu circo de alfenins
fecham-se as cortinas do fim