;Ovacionado, não. Mas aplaudido com vaias, talvez.; A expectativa entre o pessimismo e o realismo do diretor Tiago Mata Machado, de Os residentes (120min), pode se concretizar hoje, na terceira noite de mostra competitiva do 43; Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Aos 37 anos, o diretor mineiro admite ter feito uma obra que ;oferece obstáculos; ao espectador. Mas garante que seu trabalho não cansará o público. ;Faço um cinema de excessos, de impureza. E, sem dúvida, exige mais do que o habitual. Mas não é chato. Classifico-o como lúdico cinefílico. Quero entrar no coração da irrealidade;, avisa.
Fã dos cineastas Tsai Ming-Liang, Jean-Luc Godard, John Cassavetes e Jean Eustache, ele diz que seu segundo longa-metragem (o primeiro foi Quadrado de Joana) está repleto de referências teóricas, herméticas para o espectador acostumado ao cinema pipoca. Mergulhado num terreno de experimentações em que as artes plásticas e a filosofia estão fortemente presentes, Tiago compara seu estilo aos primórdios da nouvelle vague. Mais especificamente aos primeiros filmes de Godard. ;As pessoas precisam encontrar sua forma de leitura de Os residentes. Ele fala da impossibilidade, da morte anunciada, do beco sem saída.;
O filme relata a rotina incomum de personagens trancafiados em uma casa abandonada. Nesse território, os cinco moradores temporários recebem novos hóspedes: um velho militante neoísta (da vanguarda dos anos 1980), um autoexilado e uma artista plástica de renome, aparentemente sequestrada. E é do encontro desses personagens que o filme transborda suas metáforas, imagens e diálogos.
Outsiders
Os residentes nasceu de um roteiro escrito por Tiago e apresentado ao edital do Minas Festival de 2007. Selecionado, o cineasta partiu para a reunião de um ;grupo de outsiders; que mergulharia na sensação de orfandade das vanguardas modernas das décadas de 1950 e 1960. Com amigos ;todos meio diletantes do cinema;, ele começou a rodar o longa em 2008, mas só em 2010 a obra ficou pronta.
A filmagem gerou 250 horas de material. A primeira versão tinha cinco horas de duração. A montagem, aliás, foi um desafio à parte. Tiago manteve as imagens mais fortes para evitar que o filme escorregasse na mera ilustração. ;A montagem é uma espécie de destruição daquilo que você escreveu e filmou. Quase partimos do zero;, diz ele, que vê em sua ;formação cineclubista; a dificuldade em perdoar a falta de inovação e liberdade do cinema nacional de boa parte da geração atual. ;Retrocedemos;, afirma.
Curador de mostras de filmes ;subversivos e de vanguarda pós- 1968;, ele compara negativamente o cinema nacional, ;que cresce em termos mercadológicos, mas não desenvolve uma estética autoral, inovadora; ao cinema americano. ;Os nossos cineastas parecem querer se empregar nos EUA. Eles copiam aquele estilo retrógrado e desgastado de fazer cinema;, reclama Tiago, que também é crítico de cinema, mestre em multimeios pela Unicamp e diretor dos curtas-metragens Auto da ilusão, Curra urbana, Experimental Galpão e Festa no horizonte.
Participando pela primeira vez do Festival de Brasília, ele não faz ideia de como seu filme será recebido pelo público da cidade, conhecido pelos arroubos durante as sessões. ;É uma incógnita. Ovacionado, acho difícil. Mas vai ter gente que vai gostar dele e posso assegurar que quem estiver mais aberto vai gostar;, avalia o diretor, que já pensa no próximo trabalho. ;Quero criar um filme com personagens reais, que trabalhem, por exemplo. Meus personagens são sempre de exceção e estão sempre em um momento de exceção. Tenho dificuldade em acreditar em uma realidade que não existe.;
Da zona da mata à cidade inventada
Os dois curtas em 35mm programados para a noite de hoje documentam realidades distantes uma da outra. Sob direção do pernambucano Felipe Peres Calheiros, Acercadacana (20min) trata da história verídica de uma luta desigual entre a agricultora Maria Francisca e um grupo de agronegócio, que tenta expulsar sua família da terra onde mora há 40 anos.
Na zona da mata pernambucana, cerca de 15 mil famílias foram expulsas da terra após a valorização do etanol, na década de 1990. Documentarista e fotógrafo desde 2003, Felipe Calheiros realizou vários filmes, com destaque para Até onde a vista alcança, com o qual participou de festivais em 15 países.
Já em Braxília (17min), a jornalista Danyella Proença expõe o olhar sarcástico do poeta Nicolas Behr, de 52 anos, sobre a capital e a construção de sua cidade inventada, Braxília. Esse é o primeiro filme de Danyella, que foi assistente em curtas rodados na cidade, entre eles Lauro-Davidson, de Marcela Tamm Rabello, e Maria Morango, de Érico Cazarré.
43; FESTIVAL DE BRASÍLIA DO CINEMA BRASILEIRO
Mostra competitiva de curtas e longas-metragens. Hoje, às 20h e às 20h30, no Cine Brasília (106/107 Sul), exibição do longa Os residentes, de Tiago Mata Machado, e dos curtas Acercadacana, de Felipe Calheiros, e Braxília, de Danyella Proença. Ingressos: R$ 6 e R$ 3 (meia). Não recomendado para menores de 16 anos.