Sem a confusa disputa por lugares da badalada cerimônia de abertura do ano passado, com o filme Lula, o filho do Brasil, a 43; edição do Festival de Brasília do Cinema Brasileiro trouxe o nada formal cinema de Carlos Reichenbach, com a exibição de nova cópia do filme Lílian M., relatório confidencial. Escolha arriscada, para uma Sala Villa-Lobos lotada, a obra ; que já foi rotulada de ;chanchada underground; ; levou diversão para a plateia, mas distante da unanimidade. Entre desinteressados ou arruaceiros, durante a projeção, foi possível ouvir pérolas como: ;Vamos pro coquetel; e ;É muita cultura ; eu não entendi nada;.
Em contraponto, no palco em que apresentou o longa detido num processo de libertação feminina, Reichenbach comentou que o filme, ;antes de mais nada;, havia sido feito para ele, e, emocionado, expôs o delicado atual momento de saúde: ;Tenho uma catarata nuclear ; não estou enxergando muito bem, mas estou pensando muito bem;. Se os funcionários públicos que abarrotaram a Villa-Lobos no ano passado não marcaram intensa presença, ao menos nas telas um fragmento deles despontou: numa deliciosa ponta em Lílian M., a esposa do cineasta, Ligia Reichenbach, interpretou uma durona chefe de repartição. ;Ele dá uma importância grande às mulheres nos filmes que faz, com uma ternura maravilhosa;, elogiou a atriz, há 35 anos casada com o diretor que exibia, na camiseta, a alcunha de ;bom pai; (num trocadilho ao clássico The godfather).
Estrela do longa-metragem, Célia Olga Benvenutti enfatizou que Lílian M. se opunha ao cinema comercial. ;Em termos de filme de arte, naquela época, ele foi muito bem recebido;, contou. ;Vivíamos nos anos 1970 a era das metáforas, com uma direita culta muito perigosa;, observou Reichenbach, que comemorou o recebimento da homenagem com um troféu Candango ; ;um prêmio mais vivo do que nunca;.
Discípulo de Paulo Emílio Salles Gomes, criador do festival, Reichenbach, nos bastidores, não demonstrou saudosismo, pela lacuna de colegas de geração na disputa por troféus neste ano. ;A verdade é que os veteranos estão com medo de entrar em competição. Se um filme é mal recebido em Brasília, pode ser decretado o fim da carreira comercial. Por um lado, eu entendo, por outro, condeno. Um festival deste porte sofre porque os veteranos não querem se sujeitar à espécie de vestibular. Eu não tenho medo disso. Não me inscreveria num festival que não tivesse a importância do de Brasília;, analisou o diretor.
[FOTO2]Ao lado dele, o montador e crítico de cinema Ignácio Araújo enfatizou que se tratava de nova cópia, sem cortes, totalizando duas horas. ;É sempre importante ter a referência do que foi feito no passado. Cada trecho revisita um gênero do cinema;, disse, lembrando-se do ;complicado processo; de edição, feito em seis meses. A camuflagem do discurso político e metafórico aguçou o interesse da porção cinéfila do ministro da Cultura, Juca Ferreira. ;A exibição traz a memória de um cinema que foi censurado e, finalmente, pode ser exibido. Nunca tinha visto e fiquei curioso em saber quais partes foram cortadas;, disse. Para diversão dos espectadores, pipocavam na tela, diálogos, na íntegra, do humorado roteiro de Lílian M., com frases como ;Eu preferia ter um mau caráter em casa do que um filho bailarino; e ;Meu sangue é nobre, mas meu coração está na zona;.
Crítica póstuma
Exibido logo após o retorno da apresentação da Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro ao evento, o curta-metragem 50 anos em 5 foi o primeiro filme visto na tela da Villa-Lobos, com imagens de Brasília. No curta, a complicada travessia do Eixão é tratada num paralelo com uma relação amorosa. ;É um projeto muito simples, feito numa manhã. Acredito até que o festival tenha dado uma pompa excessiva ao filme;, comentou o diretor José Eduardo Belmonte (Se nada mais der certo). Em 2003, ele abriu a mostra com Subterrâneos, que dividiu o público e a crítica. ;As sessões de abertura são sempre um mistério. A plateia é muito heterogênea;, admitiu, antes da exibição.
Concebido como parte de uma produção conjunta de cineastas brasilienses (ainda inconclusa), o filme provocou boa impressão no público. No palco, Belmonte dedicou a sessão ao filho, João Gabriel, e, acompanhado dos outros diretores que participam do projeto de homenagem aos 50 anos da capital, fez referência à crise política do governo Arruda. ;Brasília estava passando por uma fase terrível quando o Fórum de Arte e Cultura fez um grande evento de arte. O filme é uma resposta singela para a cidade;, afirmou. O tom fragmentado da narrativa de 50 anos em 5 combinou com as ousadias de Lilian M.
Colaboraram Tiago Faria e Yale Gontijo