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Diversão e Arte

Chefs da cidade apontam as receitas que melhor representam a França

De um lado da rua, uma vitrine estampa pequenas tortas recheadas de frutas vermelhas e os coloridos macarons. Do outro lado, na mesa de um pequeno restaurante, os clientes se deliciam com um cassoulet, um confit de pato e um aromático filé au poivre. Mais à frente, sentados no banco da praça, um casal degusta queijo brie com uma bela baguete acompanhados de vinho. Não é preciso andar muito pelas ruas de Paris para perceber como a gastronomia é importante para o país. As tradições culinárias e as receitas tão características acabaram de ganhar reconhecimento mundial para que não sejam perdidas no tempo e com a modernidade. A ;comida gastronômica dos franceses; foi incluída, na última terça-feira, na lista de patrimônio imaterial da Humanidade da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura).

Para o comitê reunido no começo da semana, em Nairobi (Quênia), a gastronomia na França, além de manter a tradição por séculos, tem o poder de ;celebrar os momentos mais importantes da vida dos indivíduos e dos grupos;. Para a chef Alice Mesquita, do Alice Brasserie, um dos restaurantes franceses mais tradicionais da cidade, o título é merecido pela importância dessa cozinha no mundo. ;Suas técnicas são a base em que se apoiam as culinárias de todo o mundo ocidental. Ainda hoje, os grandes chefs, como Ferrán Adriá, creditam à França a sua sólida base de conhecimento;, diz.

As receitas tradicionais e o modo de preparo preciso, passados de geração para geração, fizeram da culinária francesa uma das mais conhecidas no mundo. ;As técnicas se mantêm por serem sólidas, por realmente conseguirem extrair de cada produto aquilo que é sua essência, o melhor sabor;, analisa Alice. Na filosofia francesa joie de vivre, ou em bom português ;alegria de viver;, a comida não serve apenas para alimentar, mas também para ser apreciada. Usar ingredientes frescos e aproveitar cada momento de uma refeição são características do estilo de vida francês. O modelo de servir, sempre com entrada, prato principal e sobremesa, tornou-se um clássico. ;A França tem um modelo de vida, uma forma de se alimentar que é um ritual. Essa sequência de porções menores segue trazendo aos comensais um grande prazer traduzido no sabor dos pratos e dos vinhos, a companhia, o ambiente, a tranquilidade;, completa a chef.

Clássicos
Para Alice, um dos grandes símbolos da gastronomia francesa é o cassoulet. O prato feito com carnes e feijões lembra a feijoada brasileira, servido sempre com uma sobrecoxa de pato. ;A característica mais marcante é a forte presença da gordura de pato derretida sobre as carnes e as favas ou feijões. Para um país tropical como o nosso, por exemplo, retiro toda a gordura de forma que o prato fique bem mais leve e saudável. Mas a tradição francesa, por ser um país de inverno rigoroso, inclui a gordura que ajuda a aquecer e proteger do frio intenso;, diz.

O cassoulet é um prato criado pelos camponeses para ser completo. ;Eles deixavam dentro de uma grande panela com tampa e, normalmente, pediam ao padeiro amigo que a colocasse no forno. Quando retornavam do trabalho, o delicioso cozido estava pronto e gratinado. Essa tradição, essa forma de preparar a alimentação da família, o longo cozimento, tudo isso sempre me encantou e foi a inspiração para me dedicar à cozinha regional francesa;, relata.

No restaurante La Chaumi;re, inaugurado na capital federal por um casal de franceses há 44 anos, o chef e proprietário Severino Alves Xavier tenta manter a tradição. ;Quando os franceses me venderam o restaurante, há 37 anos, me disseram: ;Não se preocupe se vai surgir outro mais bonito ou melhor, o importante é se preocupar com padrão de qualidade, manter a comida bem linear;. E assim é a gastronomia francesa, é um padrão, uma experiência de milhares de anos;, afirma o cozinheiro.

O famoso filé au poivre é um dos grandes clássicos da culinária francesa, segundo Severino. O restaurante serve o prato de forma tradicional ; com molho de pimenta do reino, flambado com conhaque e servido com batatas sautée. ;É uma coisa simples que requer um toque especial. E, olha, cada chef tem seu segredo. Os pequenos detalhes fazem a diferença, até a maneira de jogar o sal na comida;, diz. De acordo com ele, o grande diferencial da comida francesa é o amor pelo preparo. ;Um bom chef tem um carinho especial para fazer o prato, tem paixão pelo que faz e aprecia a boa mesa.;

Para o pâtissier e chocolatier francês radicado em Brasília Daniel Briand, uma das grandes contribuições da culinária francesa para a gastronomia mundial foi a invenção da massa folhada. A base de milhares de sobremesas e também salgados do mundo foi criada no século 17, depois de um ;acidente; na cozinha. ;Foi um erro do aprendiz. Ele estava fazendo uma massa salgada e se esqueceu de botar a manteiga. Depois de perceber o que tinha feito, colocou o ingrediente bem antes do momento de assar e dobrou várias vezes. E quando ele viu no forno, a massa estava crescendo. Quem acabou divulgando a massa foram os cozinheiros dos reis e da nobreza;, conta o confeiteiro.

Com o invento é possível criar clássicos como a torta mil folhas, recheada com creme de baunilha. A massa folhada é a base de diversos quitutes da culinária francesa. Para Daniel, é uma mistura única e cheia de mistérios. ;Se você faz uma massa de três centímetros de espessura, ela fica com 800 camadas. Ela não leva fermento, mas cresce porque a manteiga tem água e o vapor quer sair, aumentando a massa. É uma beleza;, elogia o confeiteiro.


TRADIÇÕES PROTEGIDAS
A lista do patrimônio cultural imaterial da humanidade foi criada por uma convenção assinada em 2003 e ratificada por 132 países. Seu objetivo é proteger culturas e tradições populares, da mesma maneira que lugares e monumentos. Ao todo, 178 práticas culturais ou tradicionais já foram inscritas como patrimônio imaterial da Humanidade. No Brasil, as expressões orais e gráficas dos Wajãpis, do Amapá, e o samba de roda do Recôncavo Baiano estão na lista da Unesco. Neste ano, a culinária tradicional do México também foi considerada patrimônio imaterial da humanidade, com a gastronomia francesa.


DOCE BRASILEIRO NA FRANÇA
O estilista brasileiro Alexandre Herchcovitch resolveu se aventurar na gastronomia francesa em um evento que reúne costureiros de quatro países emergentes: Brasil, Rússia, Índia e China. Ele criou o French Brigadeiro, para ser servido no histórico Café de la Paix, em frente à Ópera de Paris. A receita, além do tradicional chocolate, leite condensado e manteiga, leva claras de ovo batidas para dar mais leveza e lembrar um mousse francês. A sobremesa será servida entre janeiro e maio do ano que vem e deve custar 14 euros.