A banda californiana Creedence Clearwater Revival já calculava 15 anos de silêncio quando o ex-vocalista John Fogerty ouviu um conselho de Bob Dylan e George Harrison: ;Se você não voltar a tocar Proud Mary, o mundo inteiro vai pensar que é uma música da Tina Turner;. A proposta soava como uma provocação. Desde outubro de 1972, quando o quarteto sucumbiu a uma temporada de rixas e crise criativa, John não interpretava os hits que embalaram a geração Woodstock. As palavras de Dylan e Harrison, no entanto, aliviaram o fardo. Fazia sentido. No mais, quem defenderia a integridade de clássicos como Proud Mary, apropriada por Tina, Ike e mais de 100 outros artistas?
Em 1987, o eterno líder do Creedence subiu no palco e quebrou a promessa: tomou de volta para si a própria história. Em 1990, o guitarrista Tom Fogerty morreu, vítima de complicações decorrentes da Aids. Cinco anos depois, o baixista Stu Cook e o baterista Doug ;Cosmo; Clifford arriscaram uma ousadia parecida à de John: a convite de um amigo, produtor de shows pequenos, formaram a Creedence Clearwater Revisited, que se apresenta hoje em Brasília pela primeira vez.
A diferença é que, enquanto John usa o repertório de ;mais pedidas; para salgar as composições da carreira solo, Stu e Doug assumem de bom grado, sem culpas, a missão de prestar tributo a uma banda que viveu (e se desintegrou) intensamente: gravou sete discos em cinco anos, foi ao Woodstock e estampou nada menos que cinco compactos na segunda posição da Billboard.
Curiosamente, o Creedence nunca fincou canções no topo da parada americana (ainda que o disco Cosmo;s Factory, de 1970, tenha estreado no primeiro lugar). Não foi necessário. Venderam 26 milhões de álbuns apenas nos Estados Unidos. Sucessos na época em que foram lançadas, faixas como Born on the Bayou, Fortunate son, Have you ever seen the rain? e Run through the jungle, além de versões definitivas para Susie Q e I heard it through the grapevine, resistiram com valentia à passagem do tempo.
Outra prova de longevidade é que, há 15 anos, essas e outras pérolas engatam os shows do Creedence Clearwater Revisited. O ;espólio; do Revival será relembrado a partir das 20h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, por um quinteto que ainda conta com o tecladista Steve Gunner, o guitarrista Tal Morris e o vocalista e guitarrista John Tristao.
Segunda chance
Em entrevista por telefone ao Correio, Stu defende as intenções da banda com clareza (e algum laconismo). ;É como se fosse a nossa segunda chance. O sucesso do Creedence original só durou três anos e meio. Antes da fama, estávamos juntos por quase 10 anos. Mas o fim chegou rapidamente. Agora temos a oportunidade de continuar do ponto onde paramos;, afirmou. Que ninguém espere encontrar nada de muito ambicioso, no entanto, nessa ;retomada;. O baixista, 65 anos, tergiversa sempre que perguntado sobre os projetos do grupo, que já dura mais do que a matriz. ;Em todos os shows, nossa expectativa é a mesma: uma ótima noite celebrando o Creedence;, resume. E silencia.
Na última vez em que se apresentou no Brasil, em 2006, eles cumpriram à risca esse modelo, sem invencionices. ;Tocamos o que os fãs pedem, do jeito que querem ouvir. Fazemos questão de não mudar os arranjos originais. As canções são apresentadas exatamente do jeito como foram gravadas;, resume. O disco ao vivo Recollection, de 1998, é atestado de fidelidade: os músicos só despregam as asinhas apenas nas faixas mais longas, que abrem flancos para a improvisação. ;Era o único disco que poderíamos ter lançado. Os fãs pediram e pensamos: por que não? Mas não temos plano algum de lançar outro;, desconversa.
E haveria um baú de canções inéditas, ou recém-escritas? ;Nah!”, Stu resumunga. ;O grande sentido, o grande objetivo do Creedence Clearwater Revisited é apresentar nossas canções antigas para os fãs, para que eles se divirtam. Não vamos tocar nada novo;, repete, como quem dá uma boa notícia. OK, entendido.
Fórmula infalível
A explicação para tanto rigor, no entanto, pode ser outra. Na época menos produtiva do Creedence, lá por volta de 1972, Stu e Doug foram convocados por John Fogerty para colaborar com canções próprias. O vocalista estava cansado das acusações de que dominava o grupo com temperamento de déspota. Mas o baixista e o baterista deram para trás. John se manteve firme na decisão. O resultado do impasse foi um disco raquítico (Mardi Gras), que tomou punhaladas da crítica e ajudou no término de uma história curta porém acelerada (e, para o fã de rock, inesquecível).
Não é surpreendente, portanto, que a dupla evite alimentar as próprias crias. ;O segredo das canções do Creedence é que elas são, ao mesmo tempo, simples e abrangentes. Podem atingir pessoas muito diferentes. E elas resistiram. É interessante que muitos jovens as conheçam. Parece incrível, mas é por causa do público jovem que eu e Cosmo estamos aí;, admite. Comercialmente, é uma fórmula matadora, que lota estádios cerca de 100 vezes por ano, rende uma grana e lubrifica, show a show, a memória de uma das grandes bandas americanas. Sem a bênção de John, que os processou em 1997 (e perdeu), mas com o aval quase irrestrito dos fãs.
CREEDENCE CLEARWATER REVISITED
Hoje, às 20h, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães. Ingressos a R$ 300 (cadeira VIP vermelha), R$ 220 (cadeira VIP laranja), R$ 150 (cadeira VIP verde) e R$ 90 (cadeiras mezanino). Preços de meia- entrada. Pontos de venda: Central da Ingressos do Brasília Shopping, lojas Mormaii e site www.livepass.com.br. Não recomendado para menores de 16 anos.