Desde pequena, a menina Flor é apaixonada por livros. Um dia, caminhando distraída com um volume nas mãos, ela tropeça e cai dentro da história. Vai da realidade à poesia em segundos e já não se sabe mais se é leitora ou protagonista do enredo. Esse dia mágico na vida de Flor é obra da imaginação da atriz Márcia Lusalva, que, a partir desse mote, criou a peça Nem isso, nem aquilo, de olho na meninada de 5 a 11 anos. ;É a aventura dessa menina que sai de seu quarto e vai para o onírico, visita o imaginário;, explica a atriz. A peça fica em cartaz neste fim de semana e no próximo, no Espaço Cena (205 Norte).
A provocação para criar essa personagem meio fantástica, meio real nasceu no desabafo da filha de uma amiga, que resolveu dividir com a ;tia; as angústias de seus 7 anos: estava cansada de obedecer, mas não queria ter que decidir o que fazer. Inspirada pelo dilema da menina, Márcia leu o poema Ou isso, ou aquilo, de Cecília Meireles, que diz, entre outras coisas, ;ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva;. ;O drama da Marina, a menina que conversou comigo, me incomodou. A gente sempre sente que está perdendo algo quando precisa fazer escolhas. Minha ideia não era negar as opções, mas mostrar a variedade delas;, afirma.
O poema de Cecília Meireles foi apenas a primeira porta a se abrir. No último ano, a atriz, bailarina, coreógrafa e performer devorou mais de 300 títulos voltados para o público mirim e acabou reencontrando o prazer da leitura infantil. O mais interessante foi ver a profundidade desses textos, que oferecem às crianças as primeiras noções de arquétipos, uma perspectiva realista da vida e até um entendimento mais leve da morte. ;Recuperei meus livros de infância, minhas memórias e acabei relendo meu universo inteiro;, revela. O fascínio levou-a a desistir de centrar os holofotes em um só livro. Depois de beber gotas de todos eles, Márcia Lusalva criou seu roteiro.
Além da vasta bibliografia, ela recorreu a uma especialista: a escritora Solange Cianni, que doou exemplares de seus livros e até a cópia de um ainda não publicado. Nesse período embrionário, Márcia também entrevistou meninos e meninas. As influências surgem a todo momento no palco. Em citações mais diretas, como no caso dos irmãos Grimm, a mais sutis, como referências feitas às autoras Adriana Falcão e Lygia Bojunga Nunes. ;No caso da Lygia, a famosa Bolsa Amarela (livro da autora) está no cenário. No meio do texto, capto um personagem, um objeto ou uma situação de alguns livros. Quem já leu, vai conectar as histórias.;
NEM ISSO, NEM AQUILO
Espetáculo criado e interpretado por Márcia Lusalva. Direção de Luciano Porto e Cláudia Leal. Amanhã e domingo, e nos dias 27 e 28, às 17h, no Espaço Cena (CLN 205, Bloco C; 3349-3937). Entrada mediante a doação de um livro infantil, novo ou usado, que poderá ser trocado por outra obra. Classificação indicativa livre.
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OS VÁRIOS MUNDOS DE MÁRCIA LUSALVA
Formada em artes cênicas na Universidade de Brasília (UnB), Márcia Lusalva acabou enveredando pelo mundo da dança. Há 15 anos integra o BasiraH - Núcleo de Dança Contemporânea e a Companhia Márcia Duarte. Suas variadas influências a levaram a criar um híbrido entre atuação e dança, em um estilo que costuma ser identificado como teatro físico. Outro elemento de sua carreira é a arte circense, herança de sua proximidade com o Circo Teatro Udi Grudi. Este ano, a atriz esteve em cartaz em cinco trabalhos diferentes: Rua de mar à vista ou Quando a Terra descobriu o mar, Concerto a céu aberto para solos de aves, Húmus Kaos, Leito de adega e Nem isso, nem aquilo. Márcia Lusalva ainda ganhou dois prêmios da Funarte. O Artes Cênicas na rua com o espetáculo Rua de mar à vista e o Myriam Muniz, como suplente, pelo infantil Nem isso, nem aquilo.