Além de retratar a realidade de maneira única e revolucionária, o impressionista Claude Monet era um apaixonado pela boa comida. Na casa comprada em meados de 1883, em Giverny, o parisiense viveu com sua segunda mulher, Alice Hoschedé; cultivou um invejável jardim, incessantemente visitado por turistas de todo o mundo até hoje; criou os oito filhos; e promoveu memoráveis almoços para convidados ilustres, como Cézanne, Clemenceau e Renoir. Ali, gastronomia e arte fundiam-se, como conta a historiadora de arte Claire Joyes, no livro À mesa com Monet (Sextante). Com a ajuda do fotógrafo Jean-Bernard Naudin, Claire revela as receitas presentes no caderno do pintor e detalha a relação com a culinária do gênio, morto em 5 de dezembro de 1926, nove dias antes de completar 86 anos.
Monet, mais que um senhor temperamental, era também um exímio gourmet. Não só exigia à mesa o que gostava como também opinava no cardápio da casa, decidido sempre com uma semana de antecedência. Pontual, queria que o almoço fosse servido às 11h30. Segundo Claire, ;meio segundo de atraso; bastava para tirar o pintor do sério e estabelecer o pânico na cozinha. ;Almoça-se tão cedo para que ele possa aproveitar a melhor luz para trabalhar no seu motif da tarde;, explica a historiadora, recontando a história sempre no tempo presente.
A perspectiva de um bom almoço deixava o impressionista de ótimo humor. E era também a refeição em que o casal recebia os convidados. ;Não lhes ocorreria ter convidados para o jantar em razão da hora em que Monet se deita, no mais tardar às 21h30, para estar bem disposto para trabalhar na manhã seguinte;, conta Claire, que é casada com o pintor e arquiteto Jean-Marie Toulgouat, bisneto de Alice Hoschedé. Cheio de manias, era ele mesmo quem cortava as caças, aves e carnes, temperava-as com noz-moscada, pimenta moída e sal grosso para só então serem cozidas. O mesmo acontecia com as saladas. ;Ele enche de pimenta moída e sal grosso, mergulhando tudo em azeite e uma gota de vinagre de vinho;, descreve no livro. Segundo a autora, a salada ficava negra de pimenta e insuportável para qualquer um, menos para Monet ou Blanche, filha de Alice, que tinha o mesmo gosto do padrasto. Por esse motivo, eram servidas sempre duas saladas.
O calendário da casa era repleto de datas festivas, comemoradas sempre com almoços, mais precisamente piqueniques. Para o aniversário de Monet, 14 de novembro, a tradição era servir a galinhola da casa, um grande peixe e, como sobremesa, o vert-vert ; bolo de pistache recoberto de glacê foudant. No Natal, estavam à mesa salada de valeriana, ovos mexidos com trufas e foie gras truffé en cro;te ; vindo diretamente de Estrasburgo. Para a sobremesa, christmas pudding flambado ao rum e o tradicional sorvete de banana em formato de pão de açúcar, feito na sorveteira da casa. A família era tão preocupada em servir bem que, no caderno de receitas, havia indicações de quais pratos os convidados mais gostavam.
Adaptação
Para que as receitas possam ser apreciadas pelos amantes da boa comida hoje em dia, Claire pediu ao francês Jo;l Robuchon que as adaptasse à realidade atual. No prefácio do livro, o chef conta que tomou cuidado para que a execução fosse repassada de forma fácil. ;Seria fascinante conhecer um dia os segredos culinários dessa família e ter a alegria imensa de executá-los;, escreve.
Na edição brasileira, o escolhido para adaptar as receitas foi o também francês Claude Lapeyre. A tarefa dele foi trazer para o contexto local os ingredientes e a forma de preparo. ;Em alguns casos, fui obrigado a indicar outros produtos, procurando obedecer as características essenciais do ingrediente original;, afirma. Um exemplo é o brochet, peixe de água doce da Europa, trocado pelo surubim. Já os cogumelos silvestres girolles, inexistentes no Brasil, foram substituídos pelos do tipo porcini.
A editora Sextante convidou ainda seis hotéis da região serrana do Rio de Janeiro para desenvolverem um menu a partir das receitas do livro. Cada chef escolheu algum ingrediente ou prato e fez uma releitura. A ideia da organização é que as pessoas sintam-se dentro da atmosfera de Giverny. Participam do festival, que vai até o fim do ano, os hotéis Parador Santarém Marina, Locanda Della Mimosa, Solar do Império, Pousada Tankamana e Pousada da Alcobaça, em Petrópolis; e Parador Lumiar, em Nova Friburgo.
Para a chef Claudia Mascarenhas, a iniciativa dá oportunidade ao profissional de se inspirar no universo do pintor. ;Procurei utilizar os ingredientes da serra, porém, levando em conta as receitas do livro;, diz. Segundo ela, as receitas são totalmente viáveis e fáceis de fazer. Cláudia criou para o Solar do Império o escalope de filé, dupla de cogumelos e galettes de queijo. Para a Pousada Tankamana, a escolha foi pelo magret de pato fatiado, molho de uva passas e ervas da horta com ratattuile gratinado com queijo de cabra. ;A pousada, além de oferecer receitas do livro, ainda possui uma paisagem bucólica, bem ao estilo Monet;, acredita Claudia.
Luz do sol
Movimento surgido no século 19 na França, o impressionismo foi uma nova visão conceitual da natureza. As pinceladas nessa técnica são mais soltas, enfatizando o movimento e a luz. Como o foco são os efeitos dos raios de sol e as diversas cores criadas a partir dessa luz, era comum que os impressionistas optassem por pintar ao ar livre. É natural, também, que os motivos retratados fossem mais alegres.
Receita
Pudim de Natal
Ingredientes
500g de gordura de rim bovino, picada
225g de farinha de trigo
12 ovos
250g de uvas-passas Málaga
250g de uvas-passas de Corinto
80g de açúcar
Casca de 1 limão bem picada
200ml de conhaque
100ml de leite
125g de farinha de pão fresco
Modo de preparo
Junte a gordura e a farinha em uma tigela. Adicione os ovos, as passas, o açúcar, a casca de limão e metade do conhaque. Mexa bem com uma colher de pau. Adicione o leite e a farinha de miolo de pão, a fim de fazer uma massa leve e homogênea, ligeiramente firme. Encha uma panela grande com água e ponha para ferver. Passe manteiga e farinha em um pano e coloque a massa sobre ele, dando-lhe a forma de uma bola. Amarre firmemente as quatro pontas do pano, deixando espaço para a massa crescer. Transfira, então, para a panela de modo que metade da massa fique imersa em água fervente. Cozinhe em fogo brando durante cinco ou seis horas, adicionando água de vez em quando para não deixar o nível baixar. Quando o pudim estiver cozido, escorra, desamarre o pano e vire em uma travessa. Na hora de servir, amorne o restante do conhaque, derrame sobre o pudim e flambe. Sirva com a calda de pudim.
Calda de pudim
Ingredientes
150g de manteiga,
2 gemas
3 colheres de sopa de açúcar
2 colheres de sopa de rum
Modo de preparo
Misture os ingredientes em uma panela e mexa em banho-maria até engrossar. Sirva bem quente.
Aprenda como se faz um dos bolos preferidos de Monet.
Bolo Verde (vert-vert de 8 a 10 porções)
Ingredientes
Purê de espinafre: 275g de espinafre
Bolo: 4 ovos
150g de pistaches moídos
4 colheres de sopa de quirche
60g de manteiga à temperatura ambiente
Casca de 1 limão ralado
Foudant: 600g de açúcar cristal
2 colheres de sopa de glucose de milho (Karo)
2 colheres do purê de espinafre
Suco de 1 limão
Creme de pistaches:4 colheres de sopa de pistaches moídos
2 colheres de sopa de quirche
500g de manteiga à temperatura ambiente
2 colheres de chá de purê de espinafre
75g de açúcar cristal
2 ovos
2 gemas
2 colheres de chá de farinha de trigo
250ml de leite
Modo de fazer
Faça primeiramente o purê de espinafre:com 125ml de água fervente, esclade o espinafre durante 1 minuto. Coe o líquido e passe o espinafre na peneira, produzindo um purê verde que vai cobrir o cr;me de pistache e o foudant.
Bolo: aqueça o forno em temperatura branda. Unte uma forma de 20cm e diâmetro. Em uma panela no fogo quase baixo, quebre os ovos, acrescenre o açúcar e bata até dobrar de volume. Continuando a bater, acrescente a farinha, até dar liga. Adicione o pistache, o quirche, a manteiga e a casca ralada do limão. Misture com uma colher de pau ou com uma espátula. Leve ao forno brando por 30 minutos. Com uma faca, verifique se está assado. Retire do forno, desenforme e deixe esfriar.
Foudant: dissolva o açúcar em 125ml de água. Deixe conzinhar, sem mexer, em fogo forte, até o açúcar se dissolver e começar a ferver. Verifique o cozimento: quando estiver em ponto de fio fortem adicione a glucose e parte do purê de espinafre e retire do fogo. Unte com um pouco de óleo uma superfície de mármore. Despeje a calda e trabalhe-a com uma espátula de metal até que fique opaca. Borrife o suco de limão e continue trabalhando até obter uma pasta macia. Faça uma bola, envolva em um pano úmido e guarde na geladeira.
Creme de pistache: misture o pistache, o quirche e 50gde manteiga fazendo uma pasta lisa. Adicione o restante do purê de espinafre para colorir. Em uma panela for a do fogo, misture o açúcar com os ovos inteiros e as gemas. Junte a farinha e o leite, mexendo sempre. Aqueça essa mistura em fogo baixo, mexendo, e incorpore o cr;me de pistache. Retire do fogo e adicione o restante da manteiga.
Montagem: com cuidado, divida o bolo em três partes iguais. Rechei com o cr;me de pistache e leve a geladeira durante 1 hora até o cr;me endurecer. Amorne o foudant e cubra o bolo, alisando bem com a espátula. Coloque na geladeira para que a cobertura de foudant endureça.