Ricardo Daehn
postado em 31/10/2010 06:03
Imediatamente depois das filmagens de Tropa de elite 2 ; O inimigo agora é outro, o assédio do público tornou nítida uma nova certeza para o ator pernambucano Irandhir Santos: nas telas, como o pacifista professor Fraga ; visto por muitos como o antagonista do eterno capitão Nascimento ;, ele atingiu um novo patamar na carreira. ;Confesso que o anonimato, muitas vezes me ajuda na profissão: o ator precisa ter liberdade para observar o mundo a ser reproduzido. Para mim, observar sem ser observado, funcionava muito bem, até então;, diverte-se, muito impressionado pela enorme repercussão do longa-metragem de José Padilha.
Dotado de potencial para desestabilizar o capitão Nascimento (Wagner Moura), Fraga, na opinião do intérprete, ;nasceu a partir do processo histórico do deputado Marcelo Freixo, sendo contra uma postura de Segurança Pública vigente no Rio de Janeiro; ; sem ser um opositor do protagonista. ;É algo maior: ele é um professor, um grande aglutinador que atrai as pessoas para aquilo em que acredita. Nascimento é uma delas. Se não há mistura entre ambos, que são muito distantes, há aliança;, diz.
A construção de Fraga também obedeceu à união: ;Foi feita pela trinca Padilha, Freixo e Fátima Toledo (preparadora de elenco). ;Há folclore em torno da Fátima: ela é uma mão firme no processo, mas aponta para os caminhos que devem ser trilhados. Brinco que ela vem para os projetos sempre com dois objetos nas mãos: um é o martelo para quebrar a gente e, na outra, uma cola e, dos cacos, faz brotar uma coisa nova na nossa atuação;, explica.
Teatro
Há quatro anos afastado dos teatro ; ;tô com este buraco grande chamado saudade no peito; ;, o politizado ator de 32 anos comunga do ;momento muito especial para o desenvolvimento das artes;, que ele detecta, há uma década, justo quando recebeu o primeiro cachê, depois de formado em artes cênicas pela Universidade Federal de Pernambuco. Interpretando personagens importantes em sucessivos filmes, como Besouro, Olhos azuis e Quincas Berro D;Água, Irandhir só não se conforma com uma coisa no cinema: ;Três meses é muito pouco para se viver uma vida. No teatro, nós preparamos um personagem durante oito meses;.
;Para compensar o pouco tempo, com concentração e estudo, entro de cabeça em cada projeto, para aproveitar o máximo;, avalia. O recebimento de tantos convites para filmes como Viajo porque preciso, volto porque te amo e Amigos de risco, reconhece o talento em detrimento do recurso fácil de recorrer a atores com atributos físicos exuberantes que sigam o padrão hollywoodiano. ;Acho que, primeiro, veem a beleza da minha postura diante da arte. Tenho, cada vez mais, me afeiçoado ao cinema. O diferencial está em fazer da forma mais íntegra possível;, opina.
Importância
Premiado no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro, como ator coadjuvante por Baixio das bestas (de Cláudio Assis), logo no primeiro filme, Irandhir não esquece a importância do personagem Maninho. ;Ele cavava uma fossa na casa do velho que usava e abusava da própria neta. Estagnava aquele trabalho ao máximo, para ficar o mais próximo da menina, mas talvez ele fosse o mais besta fera do filme: tinha o sentimento da paixão, mas não fazia nada para salvar a menina;, observa.
À época envolvido com a série A pedra do reino, ele lembra-se de ser acordado, em Taperoá (Paraíba), pelos gritos dos colegas que anunciaram a vitória do Candango. ;Foi um prêmio muito especial;, sintetiza.
DE NOVO COM CLÁUDIO ASSIS
Integrado à trupe de atores arregimentados regularmente por Cláudio Assis, Irandhir, atualmente, divide as gravações em estúdio do longa Febre do rato, com colegas como Conceição Camarotti, Matheus Nachtergaele e Jones Melo.
Protagonista do filme em andamento (depois das filmagens, os atores se ocupam das narrações), ele não esconde a afinidade com as propostas cênicas de Cláudio Assis. ;Sou extremamente apaixonado pelo cinema verdade dele. É algo que sempre levanta discussões sociais;, esclarece. Com fabricação de jornais na própria casa, Zizu, o personagem que abraça, é um poeta anarquista, dado à declamação de poemas em comunidades do Recife e de Olinda. ;Zizu é enérgico e acredita que, por meio da poesia, pode mudar o mundo. O diretor me disse: ele traz um sangue borbulhante, como quem tem febre o tempo todo;, conta. ;Em suma, o personagem que vem para falar de amor ;, mas da maneira Cláudio Assis de falar de amor;, observa, às gargalhadas.
Ainda aturdido pelo prestígio alcançado com Tropa de elite 2, o ator se apraz, ao vislumbrar a galeria de tipos que o público brasileiro está por conferir, como no caso de Clodoaldo, personagem do primeiro longa-metragem de ficção assinado por Kleber Mendonça Filho (ovacionado, no ano passado, em Brasília, com o curta Recife frio), O som ao redor. ;O diretor, antes de me entregar o roteiro, me disse ;o cara vem para dar segurança a uma rua;;, relembra, aos risos, prevendo o possível paralelo com o Fraga de Topa de elite 2.
Noutro registro, A hora e a vez de Augusto Matraga (de Vinícius Coimbra), em nova versão do conto de Guimarães Rosa, filmado em Minas Gerais, com o colega João Miguel (O céu de Suely), vai mostrá-lo como Quim, o braço direto de Matraga.
Afora o futuro percurso nas telas, o pernambucano de Barreiros tem de antemão outra certeza: a da costumeira visita a Limoeiro, onde ;recarrega as baterias; na casa dos pais, Dona Helena, uma voluntária da Bolsa Família, e Seu Marcos, um aposentado e seresteiro. É no ninho familiar, ;com uma penca de sobrinhos;, que Irandhir Santos se sente ainda melhor.