Azul corvo
De Adriana Lisboa.
Rocco, 224 páginas.
R$ 28" />A melancolia é terreno fértil para a escritora carioca Adriana Lisboa. Somente a melancolia poderia transformar o encontro entre a adolescente Evangelina e o ex-guerrilheiro Fernando em uma amizade eterna. Fernando é fechado demais, desiludido demais, improvável demais, mas adentra a vida da pequena Vanja com uma disponibilidade surpreendente e aceita ajudar a garota a encontrar o próprio pai. A adolescente perdeu a mãe, não conheceu o pai verdadeiro ; um norte-americano perdido entre África e América ; e sabe muito bem que a paternidade atestada em sua certidão de nascimento por Fernando é falsa.
Vanja nasceu nos Estados Unidos, mas cresceu no Rio de Janeiro. Quando a mãe morre, ela tem duas opções. Seguir em frente e se tornar uma mocinha entristecida cuja história de perda todos conhecem ou se reinventar em outro país. É a segunda opção que dá à personagem a carga adulta precoce para seus 13 anos. O amadurecimento, segundo o raciocínio da adolescente, acontece de repente, aos trancos, e não em forma de processo equilibrado e contínuo. É uma maneira de Adriana justificar a convivência comovente entre os lados adulto e infantil de Vanja em Azul corvo, título emprestado de um poema de Marianne Moore.
O quinto romance da escritora carioca é um pouco fruto da vivência da própria autora. Adriana se mudou para os Estados Unidos há quatro anos para atuar como pesquisadora convidada nas universidades do Novo México e do Texas. Decidiu ficar por lá quando encerrou o trabalho e maturou a ideia de escrever um romance cujo cenário fosse a região de Denver e o ponto de partida, uma amizade improvável entre dois personagens.
A economia da escrita de Adriana, tão precisa em romances como Sinfonia em branco e Os fios da memória, é fundamental em Azul corvo. Os silêncios e as palavras escolhidas com tanta precisão não chegam a transformar os protagonistas em personagens misteriosos, mas ajudam na construção de suas personalidades. Se há alguma influência de Marianne Moore, além do título, ela está nesta tentativa de escolher poucas palavras, desde que sejam as certas. ;A presença dela nesse livro talvez seja na direção de uma concisão, de uma secura um pouco maior do texto. A Marianne Moore era uma poeta que João Cabral apreciava muito e acho que existe alguma semelhança entre a poesia de um e outro na exatidão, na secura do texto. Isso é uma coisa atrás da qual estou sempre correndo. Esse texto que não sobra, que não precisa dizer demais para dizer o suficiente.; No início, a autora pensou em usar a obra de Moore como mote para o romance. Completaria assim uma trilogia iniciada com Um beijo de Colombina e Rakushisha, inspirados respectivamente na obra de Manuel Bandeira e do japonês Basho, mas descartou a ideia.
Desilusão
Fernando na pele de um exilado político foi uma maneira de conectar a história com o passado brasileiro e também um caminho para justificar a desilusão do personagem. Adriana encontrou respaldo na Guerrilha do Araguaia e fez pesquisa histórica com auxílio dos jornalistas Taís Moreira e Eumano Silva, autores de Operação Araguaia. ;Não foi simples porque era preciso evitar as caricaturas;, explica. ;Não queria que (ele) fosse apenas um exilado político como tantos outros. Como a história da guerrilha sempre me interessou por ser um assunto tão pouco abordado, foi uma oportunidade que me dei para, através do personagem, eu mesma ter um pouco mais de contato com esse momento histórico do Brasil.;
O projeto de Azul corvo demorou para sair da gaveta porque Adriana precisou interrompê-lo para atender ao convite do também escritor João Paulo Cuenca para participar da série Amores Expressos. A carioca foi mandada a Paris com a missão de escrever uma história de amor, mas a editora Companhia das Letras, dona do selo do projeto, não publicou o livro, cujos direitos foram comprados pela Rocco. Sem o compromisso da encomenda, Adriana pretende modificar o romance antes de publicar. ;O que me freou de publicar foi a ideia de que, não precisando mais corresponder aos pré-requisitos do projeto, eu talvez queira transformar, reescrever.;
TRÊS PERGUNTAS - ADRIANA LISBOA
Memória e melancolia são duas coisas presentes em todos os seus romances, e especialmente em Azul corvo. Como é sua relação com esses temas?
Volta e meia cito uma coisa que o André de Leones falou: a gente não escreve como quer, a gente escreve como pode. A gente é o que é, tem nossa personalidade, nosso olhar sobre o mundo e isso vai estar nos nossos livros, na nossa ficção, por mais ficcional que ela seja. Essa questão tanto da melancolia quanto da memória são mais questões minhas, não são questões que eu necessariamente defenda para a literatura de modo geral. Mas situações problemáticas como essa de Azul corvo são mais férteis do que situações de céu de brigadeiro. A felicidade não oferece tanta matéria prima, nem para exploração artística nem para o crescimento. O crescimento só se dá quando a gente sai da zona de conforto. Se a gente se fecha nas situações confortáveis e agradáveis a gente impede o crescimento. Olhando para meus livros como alguém de fora tenho a impressão de que a presença dessa melancolia, dessa tristeza, tem um pouco a ver com isso, com uma tentativa paralela dos personagens de se superar, crescer, encontrar alguma coisa na vida.
Você é melancólica?
Não sei se sou, acho que um pouco, talvez seja um traço da minha personalidade, mas tenho uma capacidade grande de ficar alegre, de ser alegre. As duas coisas andam juntas.
Há uma frase dizendo que, às vezes, envelhecer não é amadurecer. Evangelina se encaixa nessa ideia?
Sem dúvida, ela é uma adolescente atípica no sentido em que precisou amadurecer alguns aspectos, porque acho que o amadurecimento também não se dá assim em linha reta. Às vezes, a própria vida obriga a um amadurecimento prematuro, que é o caso dessa personagem que perdeu a mãe aos 12 anos. Ela tem uma independência que não observo com frequência em outros adolescentes. Ela tem uma maturidade bastante atípica.