O papel foi generoso com holandês Maurits Escher. Graças à característica bidimensional do suporte, o artista conseguiu criar estruturas impossíveis de serem reproduzidas em três dimensões. Mas o público não precisa descobrir isso imediatamente quando cruza a porta da primeira galeria da exposição O mundo mágico de Escher, em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB). O encantamento diante das gravuras confeccionadas segundo as mais variadas perspectivas e repletas de ilusões se prolonga na segunda galeria. A Sala dos Enigmas é o espaço no qual tudo se materializa. Ali, numa quarta-feira à tarde, a concentração de público é grande para brincar e interagir com o ilusionismo de Escher.
Há as tradicionais excursões de escola, mas elas não são únicas. Escher é velho conhecido de boa parte do público. A diplomata Gabriela Gazzinelli esteve em exposições no exterior. A musicista Daniela Neri tem as gravuras como referência da infância e a artista Mônica Lion deu uma aulinha para o neto e os colegas antes de desembarcar com todos em O mundo mágico de Escher.
A exposição entrou em cartaz há 19 dias e já foi vista por 43 mil pessoas. É um número considerável se comparado a outras mostras do CCBB. Em junho de 2002, uma série importante de gravuras de Rembrandt van Rijn atraiu 30 mil visitantes durante as três semanas de exibição. A sala interativa idealizada pelos artistas Marcos Muzi e Luís Felipe Abbuti funciona como um caminho de descoberta para as gravuras originais expostas na galeria principal.
No espaço interativo, Renata Lorrayne, 10 anos, descobriu como funciona o jogo de espelhamento na Sala impossível. De um lado, tudo está organizado conforme uma sala normal. Do outro, os objetos ficam suspensos no ar. ;Uma bagunça;, segundo Renata. ;É uma coisa fantástica;, constata Mônica, que levou a menina à mostra. ;As crianças entendem melhor que os adultos. O jogo de espelhos, eles pegam na hora. Essa curadoria facilitou muito o entendimento da obra.; O estudante Rafael Alves, de15 anos, entendeu direitinho o propósito da sala interativa. ;A gente não pode olhar a imagem e tirar uma ideia, tem que olhar a coisa toda para entender. O interessante é que, em muitas obras, ele (Escher) nem pensava em matemática, mas a gente consegue pescar aspectos matemáticos;, avalia.
Na Sala do periscópio, o público pode experimentar as ilusões exploradas pelo holandês no papel. Um poço infinito confeccionado com espelhos reflete a imagem de cabeça para baixo, mas isso só pode ser constatado em outro cômodo. Daniela Neri, grávida de nove meses, se divertiu com o poço, no qual pôde observar a barriga de vários ângulos. ;Vim buscar inspiração para ver se o bebê nasce;, brinca. ;Gostei de ver a obra dele dimensionada nessa sala, mas a visão dele é muito mais complexa.;
A complexidade vira quase simplicidade na animação em 3D exibida em outra sala. O filme mostra como ficariam gravuras famosas como Belvedere e Cascata. As colunas que parecem sustentar paredes opostas precisariam ser esticadas e torcidas no mundo em três dimensões, enquanto as quedas d;água cairiam no vazio, e não continuamente como sugere a perspectiva de Escher. Mas como estão em duas dimensões, sobre o papel, acabam por confundir o olhar. ;Essas interações têm uma continuidade em relação à obra, eles (os artistas) não pegam a obra e reproduzem. Eles fazem obras novas;, aponta a diplomata Gabriela Gazzinelli.
De fato, a intenção dos artistas que idealizaram a sala estava longe de reproduzir as obras. A intenção era recriar o universo impossível do holandês. Na Sala dos Enigmas, o público pode experimentar esse universo, enquanto na sala da animação em 3D a proposta é compreender a ilusão das estruturas impressas nas gravuras. O conjunto é uma verdadeira aula de perspectiva.