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Nicolas Behr lança terceiro livro sobre seu olhar para Brasília

Nicolas Behr esgotou Brasília. Não tem mais nada a dizer sobre a capital. Levou 37 anos para fazer isso, e Brasilíada é a penúltima parada da saga épica do poeta pela cidade que viu nascer do concreto. O lançamento programado para hoje no café do Sebinho (406 Norte) pode ser encarado como o início de uma despedida. O fim dessa só acontecerá em 2011, quando Behr publicará Os escombros de Brasília, este sim, o último da tetralogia iniciada com Poesília e Braxília revisitada.

Nicolas Behr não quer ser o Homero de Brasília, mas quase se transforma no poeta grego ao narrar o mito de JK, um sujeito cuja trajetória surge dos restos arqueológicos de uma cidade perdida num tempo antigo. ;A única forma de convencer as pessoas de que JK existiu é transformá-lo numa pessoa mítica. O mito humaniza JK e toda civilização deve ter um grande mito;, justifica Behr. ;JK numa dimensão mítica é brincar, provocar e, por um lado, também desmitifcar. Existe uma coisa meio de posse de JK aqui, só pode falar dele quem o conheceu. Eu não o conheci. O livro é uma provocação.;

Escrito em forma de épico, Brasilíada é um só poema e uma grande vingança. O poeta que queria ser arqueólogo quando criança tratou de contar a saga brasiliense da perspectiva de quem visita um sítio arqueológico de 3 mil anos. As ruínas estão por todos os lados. Naquela cidade, candangos eram escravos. Trabalhavam acorrentados enquanto o burocrotauro, um monstro meio homem meio carimbo, ditava as regras em labirintos da administração pública. Teseu é o herói cerratense que liberta os brasilienses do burocrotauro. ;Por meio da fábula, você consegue dar muito recado. É uma forma de explicar Brasília sem razões econômicas e políticas. Me vingo um pouco porque nossa burocracia maltrata tanto a gente! E tem a coisa do sebastianismo: JK não está morto, vai voltar;, brinca.

Para o próximo livro, Os escombros de Brasília, ficaram os poemas que não couberam em Brasilíada. E depois, Behr dá por encerrada a saga brasiliense. ;Acho que vou escrever uma ópera-rock. Brincadeira; Estou aliviado, não tenho mais nenhum poema sobre Brasília, é como se tivesse pago um imposto. Cansei. Autocanibalismo existe. O poeta tem um jeitinho e vai desenvolvendo esse jeitinho. Não queria ficar me autodiluindo.; Behr quer se dedicar aos poemas de amor, mas está decepcionado com o resultado. Tudo escorrega para o erótico ou o pornográfico. Não é fácil aterrissar na mais recorrente das temáticas da poesia. ;Agora vou escrever sobre o fracasso. Um livro sobre o amor. E vou tentar fracassar cada vez melhor;, avisa.

Veja poemas do livro Brasilíada, de Nicolas Behr:

"um dos relatos mais antigos sobre a criação
de brasília fala de um ser imenso e opressor,
chamado kalimbu
todas as ações de kalimbu faziam surgir
coisas: kalimbu chorou e surgiu o lago
paranoá. Espirrou e apareceream os
ministérios. Balançou os cabelos e os fios que
caíram e viraram largas avenidas;
num dia pouco inspirado kalimbu inventou a fila,
o ofício, o protocolo, o não e a má vontade"


"brasília pronta

foi então preciso construir
uma paisagem para ela
tiraram as árvores
plantaramos edifícios
parafusaram pessoas
nas estruturas metálicas
dos ministérios
instalaram uma fábrica
de moer carne humana
na rodoviária"


"aquela é a estátua de teseu,

maior herói cerratense
(sim, filho, maior que jk)
libertou brasília da opressão do burocrotauro,
um ser meio homem meio carimbo que vivia
pelos labirintos dos ministérios, devorando
lentamente qualquer fila que se formasse a
sua frente"