Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Disco de Miranda e Frateschi reúne canções do cenário alternativo

Miranda Kassin e André Frateschi são cantores e atores. Ela, 30 anos, desde 2008 lota o Studio SP, em São Paulo, cantando Amy Winehouse. No mesmo local, Frateschi, 36, se apresenta à frente da banda Heroes, interpretando David Bowie. "Os projetos são um sucesso e pensamos em qual seria o próximo passo", ele comenta. O passo em questão foi batizado de Hits do underground.

O disco reúne 11 músicas de artistas que frequentam (ou frequentaram) o circuito independente do rock brasileiro, alguns mais conhecidos, outros menos. A seleção traz os paulistanos Curumin (Magrela fever), O Degrau (220 volts), Cérebro Eletrônico (), Numismata (Zeitgeist), Ludov (Numismata) e Os Mulheres Negras (Só tetele), a banda cuiabana Vanguart (Semáforo), a pernambucana Mombojó (Deixe-se acreditar), o carioca Rubinho Jacobina (Artista é o c...), o catarinense-alagoano Wado (Fita bruta) e o gaúcho Wander Wildner (Rodando el mundo).

Nem todas as músicas que entraram no disco são exatamente hits, nem mesmo no underground. Tem até música inédita, caso de Zeitgeist, sobra do disco Chorume (2009), do grupo Numismata. Mas sucesso ou ineditismo, no caso do disco, é o de menos. O mais interessante deste lançamento independente é justamente jogar luz em bandas e compositores que, a despeito de sucesso radiofônico ou de vendagem de discos, mantêm uma produção musical pautada pela liberdade de criação, pela ousadia autoral e um colorido sonoro muito em falta no chamado mainstream.

André Frateschi conta que o disco surgiu de conversas com Ale Youssef, proprietário do Studio SP, e Plínio Profeta, produtor que assina Hits do underground. "Adoramos o conceito do disco, já que estamos inseridos nesse mundo, e também porque há uma enorme quantidade de compositores e suas músicas maravilhosas que passam despercebidos pela maioria do público", acrescenta o cantor.

O critério de seleção das músicas privilegiou artistas em atividade ao longo dos anos 2000. A exceção é a banda Os Mulheres Negras, da dupla André Abujamra e Maurício Pereira, cuja carreira passou pelos anos 1980 e o começo dos 1990. "Eles exerceram uma grande influência em mim. Eu era como um mascote da banda, com meus 13, 14 anos", lembra André.

Escolhidas as bandas, o casal selecionou músicas que fossem representativas do mundo indie e tivessem afinidade com seus trabalhos de intérpretes. Sonoramente, ele conta, a intenção do trabalho era deixar as músicas mais pop: "Nós procuramos desfolhar as canções que existem sob os arranjos originais dessas músicas. Apesar de sermos fãs das arestas, entendemos que a ideia desse disco só teria sentido se aproximássemos o indie do pop".

Dentro do estúdio, a referência primordial foi a soul music. "Toda vez que pensávamos em como arranjar a música aparecia alguma referência da Motown ou da Atlantic. Nós dois somos movidos a blues e soul no dia a dia, e isso acaba vazando em tudo o que fazemos", explica o cantor. O resultado vai de encontro com a intenção. Magrela fever, Dê e Só tetele, por exemplo, ganharam um sabor pop que, se não estava ausente nas originais, aqui aparece com mais evidência.

"Já pensamos em fazer o volume dois do Hits, tantas são as canções que gostamos. São várias bandas que ficaram de fora. Não vamos citar, pois certamente esqueceríamos alguma, mas já estamos ouvindo coisas com a cabeça no próximo", adianta André.

CRÍTICA - ***
Gosto de primeira vez

Rosualdo Rodrigues

O bom de fazer um disco com regravações de músicas não tão conhecidas é que para muitos ele terá gosto de inédito. Hits do underground é assim. Não é preciso ser conhecedor dos originais para se encantar com o trabalho de Miranda Kassin e André Frateschi. A despeito das características particulares que diferenciam a música de Vanguart da de Os Mulheres Negras ou a de Wander Wildner da de Mombojó, por exemplo, a dupla encontra uma linha que é sua, a de um pop melódico, harmonicamente rico, sem perder a pegada roqueira no momento em que ela se faz necessária. Isso dá unidade ao disco e, somado ao fato de serem Miranda e André dois ótimos intérpretes, transforma o resultado em algo mais do que uma mera coleção de covers. Hits do underground tem o vigor da música de garagem, alternativa ou independente, como queiram, mas tem também uma elegância toda própria, quase um conceito. Ouvir a delicada voz de Miranda dizendo os palavrões de Artista é o c..., de Rubinho Jacobina, ou de Fita bruta, de Wado, é no mínimo engraçado. Mas ainda assim convincente.

QUEM SÃO ELES
André Frateschi fala sobre os autores das 11 faixas do CD

; Vanguart
"O Hélio Flanders é um dos melhores cantores da nossa geração. E um sujeito ímpar."

; Curumin
"Baterista de luxo com todos os acessórios de fábrica."

; O Degrau
"Peri Pane é o Tom Zé desta geração."

; Mombojó
"Talvez um dos maiores hinos do underground seja Deixe-se acreditar."

; Numismata
"Letra, música e alma."

; Wado
"Também somos atores e sabemos muito bem do que ele está falando."

; Wander Wildner
"Iggy Pop dos pampas."

; Ludov
"Pop pode ser muito bom."

; Rubinho Jacobina
"Artista é o c...."

; Cérebro Eletrônico
"Tatá Aeroplano é mais ubíquo que o Bono Vox e bem mais divertido também."

; Os Mulheres Negras
"Precursores de todos esses acima citados."

Entrevista - André Frateschi

Como surgiu esse projeto?
Tocamos no Studio SP há muito tempo. O projeto Heroes (André canta David Bowie) tem cinco anos. O projeto Miranda Kassin em tributo à Amy Winehouse e os grandes da soul music existe há dois anos. Os projetos são um sucesso e pensamos em qual seria o próximo passo. Nós dois somos intérpretes antes de mais nada, e numa conversa com o Ale Youssef e o Plínio Profeta, surgiu a ideia de reinterpretarmos os "hits" do universo underground. Adoramos o conceito do disco, já que estamos inseridos nesse mundo e também porque há uma enorme quantidade de compositores e suas músicas maravilhosas que passam despercebidos pela maioria do público.

Quais os critérios para a seleção do repertório?
Como disse, o volume de material disponível é enorme. Fechamos o foco nos anos 2000 e em bandas de todo o Brasil. A única exceção é Os Mulheres Negras, que exerceram uma grande influência em mim. Eu era como que um mascote da banda, com meus 13, 14 anos. O próximo passo foi selecionar músicas representativas do mundo indie e que, ao mesmo tempo, tivessem a ver com nossos trabalhos. Músicas que soassem bem com nossas vozes e que nos dissessem ao coração. Levantamos por volta de 20 músicas experimentando arranjos diferentes para elas e acabamos fechando nas 11 que estão no disco.

Se vocês fossem botar mais músicas no CD, quem entraria? E por falar nisso, teve alguma música gravada que acabou de fora?
Já pensamos em fazer o volume dois do Hits, tantas são as canções que gostamos. São várias bandas que ficaram de fora, não vamos citar, pois certamente iríamos esquecer alguma, mas te digo que já estamos ouvindo coisas com a cabeça no próximo. Das músicas que levantamos, ficaram de fora Pelo engarrafamento, do Otto, e Freak cat, do Jumbo Elektro.

No caso do Numismata, vocês escolheram uma música inédita da banda. Comente a opção.
Somos fãs do Numismata. O Adalberto (Rabelo Filho) é um dos melhores letristas que eu conheço. Cria imagens cheias de poesia e humor, são letras que estariam muito bem num livro de poesia. O Piero Damiani é nosso parceiro de todas as bandas e um dia aqui em casa sentou ao piano e cantou Zeitgeist no fim de um churrasco. A Miranda ficou louca pela música e me chamou pra ouvir. Decidimos na hora que ela deveria estar no disco. Essa música estaria no último disco no Numismata, o Chorume, eles escolheram deixar de fora. O arranjo e a execução que está no disco é do Numismata, nós regravamos as vozes e a música ficou pronta.

É possível perceber ecos dos seus trabalhos com Bowie e Amy Whinehouse no disco. Essa era a proposta desde o começo?
Indiretamente sim. Esses dois artistas são parte das influências que temos. Há muitos outros, mas é inegável que somos influenciados pela Amy, no caso da Miranda, e pelo Bowie, no meu. Mas a intenção maior nesse trabalho foi tornar essas músicas mais pop. Nós procuramos desfolhar as canções que existem sob os arranjos originais dessas músicas. Apesar de sermos fãs das arestas, entendemos que a ideia desse disco só teria sentido se aproximássemos o indie do pop.

Quem mais vocês diriam que serviu de referência musical para o projeto?
A referencia mais presente no estúdio enquanto gravamos foi a da soul music. Toda vez que pensávamos em como arranjar a música aparecia alguma referência da Motown ou da Atlantic. Nós dois somos movidos a blues e soul no dia a dia, e isso acaba vazando em tudo o que fazemos.

Desde quando e onde vocês se apresentam cantando as músicas de Bowie e Amy?
O Heroes surgiu em 2005 e desde então está em temporada no Studio SP. Aos poucos foi se firmando e abrindo espaço para outras bandas que fazem cover, esse palavrão. A partir do espaço aberto pelo Heroes vieram o Del Rey, Vangbeats e a própria Miranda. O que aconteceu com a Miranda foi um reconhecimento instantâneo do público e da crítica, e desde sua estreia, em 2008, lota seus shows quinzenais no Studio SP.

A produção foi dividida com o Plínio Profeta. Por que ele para a função?
O Plínio esteve desde o começo envolvido com o projeto, participando da concepção do disco. Ele é um produtor versátil que vem fazendo discos de gente muito talentosa desta nova geração. O Humberto é parceiro do Plínio e foi uma grata surpresa. Estabelecemos uma conexão logo no primeiro dia de trabalho e nossas ideias sempre caminhavam para a mesma direção. O fato de gravar no Rio foi um complicador, já que moramos em São Paulo. Apesar de estarmos muito satisfeitos com o resultado do disco, sentimos falta de estarmos mais presentes durante o processo de mixagem.

Quem é a banda desse projeto?
No show, a banda é formada por Fabio Pinc (guitarra), Piero Damiani (teclado), Rodrigo Fonseca (baixo) e Angelo Kanaan (bateria).

JR Duran é um nome conhecido da fotografia no Brasil. Como chegaram até ele para a foto da capa?
JR Duran foi um desses sinais que estávamos fazendo a coisa certa. Fizemos a proposta indecorosa para ele por meio de Erh Ray (parceiro do disco e outro desses sinais dos céus). Ele então disse que sim e lá fomos nós pro estúdio.

Para vocês, qual o principal desafio apresentado pelo projeto?
Para nós, foi abordar um tipo de música totalmente diferente do que estávamos acostumados a fazer. Foi um desafio como intérpretes, pois tudo muda quando se canta em português e não em inglês. Para o disco, é aproximar esses grandes compositores e suas músicas maravilhosas de um maior público.

O projeto se limita ao disco ou também terá shows, turnês, DVD etc.?
Fizemos o lançamento no dia 18 de setembro para uma casa lotada, já marcamos o próximo para 21 de outubro, no Comitê, em São Paulo. Queremos viajar e tocar esses hits muitas vezes. Estamos inclusive vendo a possibilidade de tocar em Brasília.

HITS DO UNDERGROUND
Miranda Kassin e André Frateschi/Reprodução
Disco de estreia de Miranda Kassin e André Frateschi, produzido por Plínio Profeta. Lançamento independente com distribuição da Tratore, 11 faixas. Preço médio: R$ 20.