Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

No Círio de Nazaré, a ciência caminha a serviço da fé

Projeto de engenheiro da UFPA ajuda fiéis a carregarem a corda do Círio de Nazaré, procissão que se repete amanhã, em Belém


Uma das maiores manifestações católicas do mundo, o Círio de Nazaré tem a ciência a seu serviço. Durante a procissão, mais de 7 mil pessoas conduzem, pelas ruas da capital paraense, uma corda de 400m de comprimento atrelada à imagem da Nossa Senhora de Nazaré. Segurar a corda, ou simplesmente tocá-la, é uma forma de os pagadores de promessas, os promesseiros, agradecerem as bênçãos alcançadas e demostrarem sua fé. O percurso de 4,5km costuma ser vencido em cinco horas e meia. A caminhada é feita debaixo de sol forte e os participantes têm, muitas vezes, os pés descalços. Para melhorar a dinâmica da procissão e, assim, diminuir o suplício dos participantes, o professor de engenharia civil e de arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Pará (UFPA) Nagib Charone Filho projetou estruturas de alumínio que, atreladas à corda, podem ser puxadas pelos fiéis, aumentando a força de tração (veja arte).

;Neste caso, ciência e fé são aliadas. O objetivo das estações (estruturas) não é apenas assegurar que a procissão chegue no tempo previsto à catedral, mas principalmente garantir que, durante o pagamento das promessas, os fiéis não se machuquem nem sofram mais que o necessário. É uma questão de preservar a integridade física e a saúde das pessoas, sem que isso impacte na fé dos promesseiros;, diz Charone Filho.

A partir da década de 1990, o tamanho da corda do Círio(1) aumentou, o que complicou o andamento da procissão. De acordo com o engenheiro, as pessoas precisavam fazer mais força, e isso colocava os fiéis em risco de se machucarem. Até 2004, as estruturas eram de aço soldado, um material muito pesado. Em 2005, Charone Filho propôs a substituição pelo alumínio usado na indústria aeronáutica. ;Enquanto o aço possui uma resistência de 5 mil quilos por centímetro quadrado, o alumínio utilizado em aviões tem uma resistência de 7 mil a 8 mil quilos por centímetro quadrado;, compara o engenheiro.

Para 2010, uma nova modificação foi feita. Depois de uma das estações ter quebrado no ano passado, a direção do Círio pediu ao engenheiro modificações para evitar que o problema se repetisse. Amanhã, quando a procissão sair novamente, a corda será tracionada por estações bem maiores. Enquanto as antigas eram puxadas por até 36 pessoas, as novas comportam 100 (a principal) e 45 fiéis (as demais). ;Calculamos quantas pessoas devem estar nessas falanges, o que deu mais ou menos 300 pessoas nas cinco estações;, conta o pesquisador. Isso significa uma força de 12 toneladas para arrastar 400m de sisal enrolado, que pesam 1.200kg.

As análises e os testes realizados nos laboratórios da UFPA apontaram também um formato mais adequado paras as estações. Elas foram projetadas em elipse, de modo a não terem pontas que pudessem ferir os promesseiros. ;São mais de 7 mil pessoas tentando encostar na corda. Se ela tiver alguma ponta, certamente teríamos acidentes mais sérios;, observa.

Outro papel fundamental das estruturas é garantir a dinâmica da caminhada. Isso porque, se a procissão parar, é quase impossível fazê-la andar novamente. ;O Círio não pode parar, porque, quando isso acontece, a força para movimentá-lo novamente será muito maior que a necessária para mantê-lo em andamento;, avalia Nagib. ;Sem a engenharia, o Círio não anda;, completa.

César Neves, diretor da coordenação do Círio 2010, destaca que entre os ganhos promovidos pela ciência em prol da fé estão a velocidade e a direção da procissão. ;É complicado arrastar mais de 2 milhões de pessoas em uma direção só e com uma velocidade que preserve a segurança dos promesseiros. Com a ajuda da ciência conseguimos achar essa saída.;

Desde o século 18
O Círio de Nazaré é a maior manifestação religiosa católica do mundo e uma das mais tradicionais, celebrada desde 1793, em Belém do Pará. Ocorre sempre no segundo domingo de outubro. O termo círio tem origem na palavra latina cereus, que significa vela grande. No início, a romaria ocorria à tarde e à noite, daí o uso de velas. Em 1854, para evitar a repetição da chuva torrencial que havia caído sobre a cidade no ano anterior, a procissão passou a ser realizada de manhã, às 5h.