Diversão e Arte

Capitão Nascimento vira comandante para mostrar o outro lado da violência

Ricardo Daehn
postado em 07/10/2010 08:00


Paulínia (SP) ; Três anos depois do fenômeno Tropa de elite ; entre os sete filmes mais vistos de 2007 ;, o diretor José Padilha encurta a aposentadoria do enfezado tenente-coronel Nascimento (Wagner Moura) e tira da letargia os espectadores suscetíveis à violência silenciosa, favorecida entre os elos entre inoperância do Estado e o oportunismo das milícias.

Centrado numa corrente em que ;cada um adianta o seu lado;, Tropa de elite 2 ; O inimigo agora é outro propicia o retorno do temido saco plástico (uma tática de sufocamento, exposta no filme original), além de trazer a reboque o talento do policial Nascimento para cunhar frases definitivas como ;baixe o tom, pra falar comigo; e ;policial não puxa o gatilho sozinho; (ao reforçar a conivência da sociedade com o tema).

;Acho que os conceitos de direita e de esquerda têm significado cada vez menos. Isso está no filme. No começo, há embate ideológico entre Nascimento e o futuro deputado Fraga (Irandhir Santos, um oponente do ex-agente do Bope). Mas, na prática, eles percebem que podem trabalhar juntos e conseguir coisas positivas;, comenta o diretor José Padilha, numa entrevista coletiva que, como esperado, empurrou discussões de cinema para segundo plano.

;Gosto do clima de debate que embala o Tropa de elite, mesmo quando as pessoas chamam a gente de fascista;, revela Wagner Moura, agora um coprodutor da fita, ao lado do roteirista Bráulio Montovani. ;Ir mais fundo no personagem Nascimento, como escritor, foi a coisa mais forte no processo. No primeiro filme, ele meio que escapou das minhas mãos. Eu queria fazer ele sofrer um pouco mais;, diverte-se o mesmo autor do roteiro de Cidade de Deus. Destacando ;uma coincidência; com a realidade, na abordagem, o diretor José Padilha traveste o esperado longa com ares de ficção. ;Embora alguns políticos insistam em se reconhecer no filme, a gente não teve a intenção do retrato;, ironiza Padilha.

Elementos como ;queima de arquivos; humanos, o registro de uma progressão geométrica de presidiários e o namoro firme entre política e criminalidade abatem o vislumbre de ficção. ;Não tem nenhuma política partidária, nesse filme. O filme é a favor do público. Se o filme fizer a Dilma ou o Serra falarem sobre segurança pública, eu vou ficar feliz. Por que os políticos não investem nesse assunto? A resposta, acredito, esteja no Tropa 2;, avalia o diretor.

Montado, na opinião de Daniel Rezende (habitual colaborador de Fernando Meirelles), de forma ;muito mais concisa, consciente e com o pé no acelerador;, Tropa de elite 2, inevitavelmente, alcança a capital brasileira. ;Quando fui a Brasília, ouvi do Michel Temer que a gente não podia filmar no Congresso Nacional porque era ;uma norma da Casa;;, comenta o intérprete do desautorizado coronel Nascimento. ;Não fiz o filme para falar da atual eleição. Fiz o filme como brasileiro, para falar do Brasil;, pondera o diretor.

Poder
Com uma ;disciplinada entrada no mercado, sem salto alto;, o experiente Marco Aurélio Marcondes (de A dama do lotação), associado ao novo braço distribuidor da Zazen Produções (tutora do projeto), conta que 636 salas brasileiras serão tomadas, amanhã, pelo novo Tropa. ;Demonstraremos que o poder está na tela, não no marketing. Temos mais do que um produto ou entretenimento;, observa. ;Existe tráfico muito imperativo, em Lins (comunidade da Zona Norte), e esse filme vem como um suspiro de otimismo e de esperança. Artisticamente, somos privilegiados porque todos gostariam de participar de uma discussão tão abrangente;, comemora o ator Sandro Rocha, que desponta como o vilanesco Major Russo, a postos para corromper e assentar uma plataforma de favorecimentos políticos.

Finalizado apenas em película, a produção de 16 milhões não contou com aparato digital e chega para o cinema em cópias numeradas. ;Acho a pirataria uma prática dramática, fruto de um trauma sofrido com o primeiro filme. Achei revoltante o burburinho de que tínhamos estimulado a pirataria para promoção do filme, ou ainda a ideia de que aquilo democratizava o audiovisual;, diz um indignado Wagner Moura.

; Depoimento de José Padilha, diretor de Tropa de elite 2

"Financiamento público não é o financiamento do Estado é um financiamento do público, o Estado não produz riqueza nenhuma: o Estado cobra o imposto. Minha lealdade, como cineasta, não é com o Estado. Me sinto financiado por milhões de brasileiros que pagam seus impostos, compram produtos e geram lucros para nas empresas. O Presidente da República, o Presidente da Câmara, essas pessoas são nossos funcionários, vamos ser bem claros quanto a isso. Então, eles que devem lealdade ao povo, ao contribuinte, está certo? Há quem diga que o papa é só um cara que tem um chapéu grande, é um pouco assim a maneira como eu me sinto em relação a pessoa que têm cargos importantes. Eu não tenho uma deferência a cargos, mas eu me sinto comprometido com o meu público e com o país onde eu vivo"

"Acredito num cinema político, não acho evidentemente que seja o único tipo de cinema. Acredito num cinema que interfere na realidade e provoca uma reação tanto no público quanto nas pessoas que estão em cargos chaves. Eu não tenho rancor nenhum com relação a não ter filmado em Brasília. Quanto o problema de não poder filmar na Câmara, pra mim, isso foi apenas um custo adicional, eu tive que fazer um cenário e filmar dentro desse cenário, no qual reproduzi uma comissão de ética na Câmara dos Deputados. Fiz a cena que eu queria fazer em vez de filmar em Brasília. Não tenho problema algum com o fato de o Congresso não ter autorizado a nossa filmagem lá. Das coisas ruins que oCongresso faz essa é das menores."

O repórter viajou a convite da produção do filme.

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