Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Orfeu, de Vinicius de Moraes, ganha nova versão, 54 anos depois

Brasília é a terceira cidade a receber a montagem dirigida por Aderbal Freire-Filho e ambientada num morro carioca



Tom Jobim era um músico jovem e talentoso, que tocava em boates de Copacabana, quando foi procurado por Vinicius de Moraes, que não o conhecia pessoalmente. O poeta o convidou para musicar alguns poemas, que haviam sido escritos para um espetáculo. Reza a lenda que o pianista, que vivia na maior dureza, então perguntou: ;Vai ter um dinheirinho aí?; Surgia ali uma das mais férteis, sofisticadas e vitoriosas parcerias da música popular brasileira.

Logo em seguida, Tom e Vinicius dariam início à produção de Orfeu, musical que viria entrar para a história das artes no país. Encenado em setembro de 1956, levou para o palco do Theatro Municipal do Rio de Janeiro um grupo do Teatro Experimental de Atores Negros, criado pelo dramaturgo Abdias Nascimento, militante da luta contra a discriminação racial.

Cinquenta e quatro anos depois, Orfeu ganha nova montagem, sob direção de Aderbal Freire-Filho. Após a estreia, no último dia 9, no Canecão (Rio de Janeiro) ; onde ficou em cartaz por dois fins de semana ;, o espetáculo passou pelo HSBC Brasil (São Paulo) e agora chega a Brasília. As apresentações serão na sexta-feira e no sábado, às 21h, e no domingo, às 19h30, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional.

A trama de amor, ciúme e vingança do mito negro grego, transposto para o carnaval num morro carioca, tem como ponto central a paixão de Orfeu (Érico Bras) e Eurídice (Aline Nepomuceno), que desperta ódio em Mira (Jéssica Barbosa) e Afisteu (Milton Filho). Ex-namorados do casal, eles decidem se vingar, assassinando Eurídice. O elenco, de 16 atores negros, conta ainda com Isabel Filardis, Thatiana Pagung, Wladimir Pinheiro, Maria Salvadora, Eduardo Canto, Dandara Mariano, Édio Nunes, Márcio Vieira, Patrícia Costa, Pedro Lima, Rodrigo França e Verônica Bomfim.

Novidades
Nessa nova versão, o texto original e a trilha sonora foram mantidos, com o acréscimo de canções de Tom e Vinicius. Outra novidade é a inclusão de personagens e cenas. ;Embora algumas cenas fossem sugeridas, não foram desenvolvidas. Então resolvi ampliar o roteiro e, para isso, criei novos personagens. Um deles é o poeta (Wladimir Pinheiro), de presença marcante, com o qual homenageio Vinicius cenicamente. Um poeta ideal, atemporal, eterno;, explica Aderbal Freire-Filho.

Responsáveis pela direção musical, o violoncelista Jaques Morelenbaum e o violonista Jaime Alem integram a banda formada por Rômulo Gomes (baixo), João Carlos Coutinho (teclado), Marcelo Bernardes (sopros), Ronaldo Silva (bateria) e Zero Telles (percussão), que, no palco, acompanha a movimentação cênica ; na montagem original, uma espécie de ópera brasileira, a orquestra ficava no fosso do Municipal.

Morelenbaum justifica a inserção de outros temas na trilha sonora: ;Isso se fez necessário por conta da incorporação de alguns poemas no roteiro. Aderbal e Gil Lopes (produtor do espetáculo) nos deram total liberdade para fazer a escolha, e acabamos dividindo essa atribuição com Paulo Jobim, fiel escudeiro da obra do pai;. Juntos, eles selecionaram Água de beber, Chega de saudade, Este teu olhar, O que tinha de ser e Samba do avião, entre outras, que se adequam ao texto concebido.

Este teu olhar embala a noite de amor de Orfeu e Eurídice, uma das mais bonitas cenas do espetáculo, que originalmente era apenas sugerida. Para Érico Braz (integrante do Bando de Teatro Olodum, assim como Aline Nepomuceno), dar vida a Orfeu é um momento ímpar na carreira. ;Mais de 50 depois, essa história mantém-se atual. As adaptações feitas na montagem, que mostram aspectos do Rio de Janeiro de hoje, não fere a estrutura clássica do texto;, acredita.

ORFEU
Sexta-feira e sábado, às 21h, e domingo, às 19h30, na Sala Villa-Lobos do Teatro Nacional. Ingressos: R$ 80 e R$ 40 (meia), à venda na bilheteria do teatro. Não recomendado para menores de 16 anos. Informações: 3325-6239.

;Pré-sal cultural;

Marco da modernidade musical e teatral brasileira, Orfeu tem como produtor Gil Lopes, que, com o patrocínio assegurado por empresas públicas, tratou de formar a equipe para desenvolver o projeto. Ele então convidou Aderbal Freire-Filho para dirigir a montagem. ;Quando eu buscava um diretor musical, Gilberto Gil indicou o Jaques Morelenbaum, que quis ter o Jaime Alem dividindo as funções com ele.; Marcos Flaksman assina o cenário; Maneco Quinderé, a iluminação. Carlinhos de Jesus ficou responsável pela coreografia.

Gil Lopes, que já trabalhou com João Gilberto, Maria Bethânia e Adriana Calcanhotto, conta que a escolha do elenco foi feita por meio de testes, dos quais tomaram parte um número expressivo de atores de várias partes do país. ;Esse elenco responde por grande parte do frescor e da jovialidade do espetáculo. Outro ponto alto é a versão original das músicas criadas por Tom Jobim, tocada ao vivo por uma superbanda, que se casa com a poética genial de Vinicius de Moraes;, elogia.

O produtor afirma que Orfeu é uma espécie de pré-sal cultural do Brasil. ;É uma riqueza negra desenterrada. Trazer esse musical clássico de volta ao palco é uma urgência neste período em que o Brasil se consolida social e economicamente. Vai ser um grande prazer mostrá-lo num teatro tão importante como a Sala Villa-Lobos, na capital brasileira.;