Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Cartas de amor mistura linguagens para provocar diferentes percepções

Quem decide sair de casa para ir a uma galeria, um cinema ou uma casa de espetáculo tem a vaga ideia do que vai encontrar. Mas como seria a experiência de assistir a uma peça que se tornou um híbrido de musical, instalação de arte, performance e cinema? E mais: se cada integrante da plateia pudesse escolher seu próprio recorte de percepção, já que as ações se desdobram ao redoro público? Esta é a subversão proposta pelo espetáculo Cartas de amor ; electropoprockoperamusical, que começa sua trajetória nacional pelo Teatro do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), de hoje ao dia 23, sempre de quinta a sábado.

A ideia é fruto de uma pesquisa do artista multimídia Flávio Graff, que desde 2003 faz experimentos plásticos na companhia que integrou, a Cia. de Teatro Autônomo. ;A tentativa é fazer uma apropriação de outros caminhos estéticos, como o teatro, o cinema, a literatura;, destacou. Como o objeto de reflexão é o amor, a plateia não poderia estar afastada dos acontecimentos. ;Não há moldura que determine o que se vai ver. E não se vê com os olhos, mas com os sentidos. Não se trata de uma apreensão racional;, afirma o também diretor do espetáculo Emílio de Mello.

Não faz sentido falar em palco. As cadeiras foram dispostas em direções variadas, na porção central da sala de espetáculo, em volta de uma mesa, que também faz parte da composição cênica. O cenário circunda todos esse elementos. Os dois quartos, um jardim e o espaço que servirá como boate são interligados por pequenos corredores suspensos. Em cena, os atores Fernando Alves Pinto e Dedina Bernadinelli cantam, tocam instrumentos, recitam textos e fazem performances, mas só há diálogos nas quatro telas de projeção que os cercam. Os telões exibem imagens variadas e as 14 sequências musicais que compõem o espetáculo são executadas ao vivo pelo compositor Felipe Storino e pelo próprio Flávio Graff.

As músicas, por sinal, são o fio condutor da montagem. As cartas de amor que batizam a proposta surgiram depois. Enquanto aprimorava a linguagem artística, Graff se interessou pelo artista como performer, usando o corpo para se expressar. Depois, veio a ideia de introduzir a música nessa estrutura. Em uma performance feita em Praga, na República Tcheca, em 2007, ele teve a inspiração de usar cartas e cartões. Na volta, compôs uma canção chamada Casa Vazia, que fala de cartas espalhadas pelo chão de uma casa, em referência às memórias, ao que nunca aconteceu e ao que deixou de ser.

Essas canções trouxeram novas histórias e o trabalho de pesquisa: juntos, os compositores criaram uma miscelânea de referências amorosas, surgidas nas próprias biografias, nos relatos dos amigos e nas pesquisas feitas em cartas, garimpadas até em feiras de antiguidades. Uma delas foi escrita em 1968 e há outra que relata o drama de uma mulher assustada pela possibilidade de atravessar os anos sem nunca ter existido. Cada uma das histórias é um videoclipe que desperta sensações e estados mentais subjetivos na abordagem sobre o amor. ;O termo electropoprockoperamusical dá a noção das várias linhas que cruzam o espetáculo, Não só musicais, mas estéticas;, avisa Emílio de Mello.

O amor que surge em cena é uma viagem sobre as infinitas possibilidades de se desviar do sentimento romântico, possessivo, que aprisiona. A primeira projeção é baseada em um conto de Khalil Gibran, Madame Rose Hanie, e evidencia as relações de poder e a frustração que sucede a perda do amor. Este é o ponto de partida para que os atores, o cenário, as vozes, sons, luzes e cores criem um ambiente emocional que sirva como ponte para a construção de relações mais generosas. ;A pergunta deixa de ser ;o que o outro pode me dar?; e passa a ser ;O que eu posso dar ao outro?;. Apontamos para a questão das possibilidades;, conclui Graff.