Singularidade talvez seja a expressão mais adequada para englobar a condição de produção de uma cinematografia ; representada pela mostra Cinema indiano contemporâneo ; que poderá ser desvendada a partir de hoje, com entrada franca, no Teatro da Caixa Cultural Brasília. Como instrumento de afirmação de identidade nacional, o cinema indiano tem a hercúlea tarefa de canalizar, na maior indústria audiovisual do mundo (com direito à produção anual de 1.200 longas-metragens), intermináveis traços culturais, numa esfera que lida com a ramificação de 39 línguas e dialetos e resiste à invasão do cinema americano, detendo o domínio de 95% do mercado com obras nacionais. A mostra no Brasil, prestigiada por mais de 3 mil cariocas, chega a Brasília, com 12 títulos que cobrem o período de 15 anos de produção.
Quem tiver fôlego de acompanhar na íntegra o evento, chegará à marca das 29 horas de projeções, o que dá a medida de outra características dos filmes indianos, com duração robusta. Para se ter ideia, a superprodução Devdas, exibido em Cannes e terceira versão para as telas de difundido romance assinado pelo escritor bengali Sharat Chattopadbyay, dura três horas e cinco minutos. Na trama, a realização amorosa parece impossível para o abastado formando em direito que é sabotado pela própria família, ao tentar a reaproximação com Paro, uma antiga vizinha que aguardou pelo retorno dele à região Bengala, depois de uma passagem pela Inglaterra.
O controle britânico, exercido até meados do século 20, por sinal, é tema de um dos mais difundidos filmes indianos, Lagaan ; A coragem de um povo, candidato, há oito anos, ao Oscar de melhor filme estrangeiro e atração de hoje no Teatro da Caixa. Ambientado em 1893, mostra um desafio entre ingleses e camponeses hindus que, por meio de uma partida de críquete, pretendem adulterar as regras empregadas na arrecadação de impostos vinculados à terra (conhecida por Lagaan).
Numa condição modesta de produção, o longa Iqbal retrata outro dilema a ser resolvido no campo para o mesmo esporte de origem inglesa, que remonta ao século 16. O enredo é de superação para o menino surdo que, criado na roça por família muçulmana, tentará chegar ao posto de jogador de críquete da seleção indiana.
Enlevo espiritual
Atuante no meio cinematográfico, há 45 anos, o diretor Adoor Gopalakrishnan embala outra trama edificante, com Dança das sombras (2002), exibido no Festival de Veneza. Deusa da morte e do ciclo da renovação (no caráter sexual), a deusa Kali, com princípios pacifistas de Gandhi, permeia a trajetória do enforcador Kaliyappan, sufocado pela atribuição de ceifar vidas.
Vale a lembrança da ligação do filme com os primórdios do cinema em terra hindu, em 1896, com a primeira exibição de filmes, a partir do contato com representantes dos irmãos Lumi;re que, em curso para a Austrália, desviaram provisoriamente da rota. Dança das sombras faz uso de imagens religiosas que transcendem o limite dos idiomas, a exemplo da produção de Dabasahep Phalke que, em 1913, popularizou o cinema na Índia, empregando figuras vitais à crença hindu do porte de Rama e Krishna.
No bloco das produções mais recentes selecionadas pela curadoria de Gisella Cardoso, despontam dois longas que examinam histórias de amizades. Retumbante sucesso de público ; em 10 dias de projeção, a obra superou todos os recordes de bilheteria ;, Três idiotas (de Rajkumar Hirani), oficialmente, o primeiro longa hindu a alcançar o YouTube, traz no centro da narrativa os vínculos criados entre três estudantes admitidos para curso em instituto de engenharia. Formatado a partir de contrastes entre hinduísmo e islamismo, Laços (2009) expõe a involuntária aproximação entre a viúva Meera e Zeenat, a progressista mulher de Amir, justamente o muçulmano responsável pela morte do marido de Meera.
O contraponto entre hinduístas e muçulmanos também se apresenta em Sr. e Sra. Iyer. Ao partir de ônibus para Calcutá, Meenakshi conhece o fotógrafo muçulmano Raja, elo entre ela e o marido (já que ele é amigo de Raja), com quem pretende se encontrar. Outra relação peculiar ; que brota, acidentalmente, entre um escritor e uma desconhecida solitária, se firma em Confinados, outro longa que integra Cinema indiano contemporâneo.
Cinema indiano contemporâneo
Teatro da Caixa Cultural Brasília (SBS, Q. 4 Lt. 3/4; 3206-6456). De hoje a 30 de setembro, sessões variadas a partir das 14h. Hoje, às 14h, exibição de Três idiotas (164min) seguida por debate; às 17h, Lagaan ; A coragem de um povo (224min) e debate; e às 21h, Laços (145min). Entrada franca, mediante retirada prévia de ingressos. Classificação indicativa livre.
PROGRAMAÇÃO DA MOSTRA
Cinema Indiano Contemporâneo (no Teatro da Caixa)
Hoje
14h, Três idiotas, de Rajkumar Hirani (2009, 164min, livre); às 17h, Lagaan -- a coragem de um povo, de Ashutosh Gowariker (2001, 224min, livre) e às 21h, Laços, de Nagesh Kukunoor (2006, 145min, livre).
Amanhã
às 14h, Iqbal, de Nagesh Kukunoor (2005, 127min, livre); às 17h, Um beijo na bochecha, de Mani Ratnam (2002, 130min, livre) e às 19h30, Como estrelas na Terra, de Aamir Khan (Índia, 2007, 165min).
Segunda-feira
às 14h, Maqbool, de Vishal Bhardwaj (2003, 132 min, 12 anos); às 17h, Siga em frente Munna Bhai, de Rajkumar Hirani (2006, 144min, livre) e às 20h, Devdas, de Sanjay Leela Bhansali (2002, 180min, 12 anos).
28 de setembro
às 14h, Confinados, de Mrinal Sen (1994, 90min, livre); às 16h, Dança das sombras, de Adoor Gopalakrishnan (2002, 90min, livre); às 18h, Três idiotas, de Rajkumar Hirani (2009, 164min, livre) e às 21h, Sr. e sra. Iyer, de Aparna Sen (2002, 120min, 12 anos).
29 de setembro
às 14h, Lagaan a coragem de um povo, de Ashutosh Gowariker (2001, 224min, livre); às 18h, Laços, de Nagesh Kukunoor (2006, 145min, livre) e às 20h30, Como estrelas na Terra, de Aamir Khan (2007, 165min)
30 de setembro
às 14h, Um beijo na bochecha, de Mani Ratnam (2002, 130min, livre).