postado em 23/09/2010 08:00
Um livro lançado em 2007. Três no ano passado. Um no atual ano e mais dois em 2011. Lourenço Dutra é, certamente, um escritor prolífico. A preferência desse brasiliense, nascido em 1963, é pela narrativa curta: uma influência alimentada na adolescência, pela leitura de crônicas de Fernando Sabino, Carlos Drummond de Andrade (1), Rubem Braga e contos de John Fante e Raymond Carver. Mas não despreza o romance: tem um engavetado e outro previsto para ganhar as livrarias no ano que vem. Em 2010, a produção de Dutra está registrada no livro Safira e outros contos preciosos, que será lançado hoje, às 19h, no Açougue Cultural T-Bone (312 Norte).;Tenho um passado de roqueiro;, o autor revela, com orgulho. Nos anos 1980, foi baixista e vocalista da banda Liberdade Condicional, um projeto que ;não chegou a entrar no mainstream;. E também trabalhou em lojas de discos, como a Berlin e a extinta Digital Discos. Nos contos de Safira, ele observa o cotidiano brasiliense com um olhar acolhedor, carinhoso e apaixonado, recheando as histórias com bom-humor e referências pop (à música e a personagens da literatura).
De vez em quando, prefere situar os relatos em um lugar imaginário. ;Faço questão de manifestar meu carinho pela cidade. Me irrita essa coisa de tratar Brasília como se fosse um foco de corrupção. Politicagem. E não é só isso. É uma cidade pulsante, tem açougueiro, pedreiro, professor. A única coisa que foge à regra é a arquitetura. É complicado conhecer só por mensalão, caixa de pandora. É irritante;, comenta.
Homenagem
As menções a Charles Bukowski, Jack Kerouac, Billie Holiday e Janis Joplin são escritas num contexto tipicamente local, como Bukowski de Taguatinga, o texto de abertura. Ou, por exemplo, descreve o hábito bem brasileiro de alguns pais ao colocar nomes de famosos nos filhos, como em Janis Holiday, conto sobre a menina cuja identidade foi tomada emprestada de duas das maiores vozes norte-americanas. ;É uma homenagem às avessas;, ele brinca, ao comentar as citações. Em 2009, uma das referências ganhou o título do livro O destino de um certo Frank Zappa e outros contos.
E o gosto pela música se estende ao romance. A novela a ser lançada ano que vem será ambientada na loja Berlin, onde Dutra trabalhou como vendedor. Hoje, ele vende livros, mas com uma leveza de quem encara a literatura como algo tão acessível quanto a música. Até mesmo o processo de escrita parece o de um letrista: ele digita uma ou duas frases no computador, de vez em quando um título provisório, imprime a página e guarda as ideias fresquinhas numa pasta. Depois, com tempo, alarga as sentenças e escreve tudo de uma vez.
1 - O poeta máximo
O 16; Prêmio Nacional Assis Chateaubriand de Redação 2010/Projeto Memória homenageia Carlos Drummond de Andrade. Participe! Escreva uma crônica, um conto ou um ensaio sobre o poeta e concorra a prêmios de R$ 35 mil (e notebooks para os professores dos três primeiros lugares). Os participantes devem ser estudantes do ensino fundamental (1; a 5; e 6; a 9; séries, do ensino médio e universitário. O tema é Testemunho da experiência humana. O envio dos trabalhos é até 30 de setembro O regulamento e informções estão no site www.facda.com.br ou pelo telefone 3214-1508.
Trechos
Bukowski de Taguatinga
É inacreditável, mas Charles Bukowski mora em Taguatinga.
Não que eu esteja desmerecendo a cidade ao insinuar que ela não faça jus em ter como morador o irreverente escritor norte-americano.
Para falar a verdade, penso que se ele viesse morar no Brasil, seria em São Paulo, Rio, Recife, mas jamais em Taguatinga.
Não imagino Bukowski a caminho do Serejão, vestido de amarelo, camisa do Brasiliense, com um radinho colado ao ouvido, segurando um espetinho de carne de gato preso à mão direita.
Dá pra se imaginar Bukowski assistindo a um jogo do América do Rio ou do Cabofriense, só para ser do contra. Contra Vasco, Flamengo, Botafogo e Fluminense. Mas não consigo imaginá-lo no "dêéfe" torcendo pelo Gama ou pelo Don Pedro.
É que Bukowski gotava da proximidade de praias californianas, de putas hollywoodianas, das ladeiras e bondes de San Francisco.
Se gostasse de secura e deserto, teria se mudado para Las Vegas há anos.
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Completinha
Cada um com a sua.
Jack Kerouac foi apaixonado pela índia Esperanza, Sting pode ter tido algo cmo Roxanne e Vamberto era tarado em Zulaica.
Este último rapaz mencionado conheceu a moça nos classificados. Escolheu um nome pelo perfil e ligou. Sexo de qualidade e paixão fulminante por 100 reais. Morena, cabelo de graúna, bunda arrebitada e seios em formato de taças de vinho, completinha.
Ligou, marcou hora e apareceu no seu apê, na 405 Norte. Ela abriu a porta vestingo um peignoir rosa, cabelos soltos, pés descalços.
- Entre.
Vamberto entrou.
A decoração era de uma beleza pop. Pôsteres dos Beatles e da sopa Cambpell;s afixados nas paredes.
- Sente-se.
Ele se sentou.
- Vamberto, não é?
- Isso!
- Zulaica.
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Janis Holiday
Janis Holiday era viciada em drogas pesadas.
Gostava de Coca-Cola, de fumar cigarros com filtro e assistia a todas as novelas da Rede Globo.
Foi batizada com esse nome em homenagem a dois ícones da música americana: Janis Joplin e Billie Holiday. Uma do rock, outra do jazz. Duas junkies: uma branca, outra negra. Fins trágicos por overdose, mas gogós afiados no estilo e na gritaria.
Seus pais foram hippies, fumaram muita maconha, andaram pelo mundo de carona e mochila nas costas, tomaram LSD, mescalina, e leram os livros de Carlos Castaneda. A filha saiu tranquila, passada, avoada. Nunca pediu ou pegou carona, sexo fez apenas duas vezes com o ex-namorado e não gostou. Colecionava discos do Led Zeppelin, Aerosmith e ZZ Top.
Janis Holiday sonhava em conhecer os Estados Unidos. São Francisco e o seu passado beatnik. Nova Iorque, a cidade mais cosmopolita do mundo. E talvez dar uma esticada até Los Angeles e conhecer Hollywood. Mas Janis Holiday não tinha dinheiro. Trabalhava como garçonete em uma lanchonete e ganhava pouco, nunca sobrava para juntar e, assim, poder conhecer o Rio, as praias do nordeste e o Pantanal.
Certo dia, atendia uma mesa quando um homem entrou. Era bonito, alto, aloirado e tinha sotaque do sul. Ele a chamou levantando o dedo.