Para o brasileiro interessado em HQs alternativas ; em especial, quem já acompanhava esse universo na virada dos anos 1980 para os 1990 ;, o personagem Ranxerox é símbolo de uma época em que o país vivia intensamente a liberdade reconquistada há pouco tempo e as bancas de jornal eram inundadas por lançamentos que fugiam do feijão com arroz dos super-heróis da Marvel e DC.
Ranxerox simboliza esse sentimento, pois foi um dos ;garotos-propaganda; da publicação mais cultuada daqueles anos: a revista Animal. Ranx estava lá desde a primeira edição ; cuja capa apresenta sua icônica imagem em close, com os dentes cerrados, óculos de soldador e topete caindo na testa.
Mas não é pela nostalgia que Ranxerox ; edição que a Conrad colocou este mês nas livrarias contendo todas as histórias do personagem-título ; merece especial atenção. A importância de Ranxerox para as HQs e a cultura pop no mundo é imensurável. E, mais de 30 anos depois da criação do androide troglodita, suas aventuras continuam impressionantes e inspiradoras. Dizem até que todo robô criado depois de 1980 tem algo de Ranxerox ; compare a HQ com, por exemplo, O exterminador do futuro e Blade Runner e perceba o porquê.
Nascido das mentes febris dos italianos Stefano Tamburini (1955-1986) e Tanino Liberatore, o personagem foi publicado pela primeira vez em 1978, na revista Cannibale. Na época, o grandalhão ainda atendia por Rank Xerox, nome emprestado da fabricante de máquinas copiadoras ; que, devido ao uso indevido da marca e, claro, pelo conteúdo anárquico das histórias, ameaçou processar os quadrinhistas.
São essas primeiras aventuras um dos destaques da publicação da Conrad ; mais pelo ineditismo do que pela qualidade. Em preto e branco e com a arte dividida entre Tamburini (autor também dos roteiros) e Liberatore, elas mostram o personagem e seu universo em formação. Os desenhos, aliás, estão longe do primor que atingiriam pouco depois. Os principais elementos do universo de Ranx, no entanto, já estão lá: violência, sexo, drogas, rock ;n; roll e subversão.
Dimensão
O Ranxerox que os leitores aprenderiam a amar surgiu em 1981, nas páginas da Frigidaire, com a história Ranx em Nova York, a mesma que os brasileiros conheceriam, publicada em capítulos, na Animal. A principal diferença está na arte. Liberatore, que assumiu de vez a função, criou ilustrações hiper-realistas e detalhadíssimas. Seu colorido dá dimensão e textura às cenas e fotografa (no sentido cinematográfico do termo) os cenários. O resultado entre o belo e o grotesco é impressionante.
Os roteiros de Tamburini (morto de overdose de heroína) mostram um mundo futurista e decadente. É nele que vive Lubna, toxicômana de 12 anos, cujo presente de aniversário, Ranxerox, serve como guarda-costas e amante. Programado para amá-la sobre todas as coisas, o androide e a menina só se metem em confusão. Ranx, nem um pouco delicado (e sempre soltando grunhidos de ;znort;), não pensa duas vezes em descer a mão em quem se aproxima da ninfeta. Ela, por sua vez, faz o androide de gato e sapato, seja para conseguir mais uma dose de heroína, seja por uma transa casual quando Ranxerox não está por perto.
Todos esses elementos juntos em uma HQ poderiam causar rebuliço e atiçar os censores de plantão. Mas não foi assim, como lembra o então editor da Animal e, hoje, da Conrad, Rogério de Campos: ;Naquela época, depois de uma ditadura militar, a liberdade de expressão era muito valorizada. Além disso, quando a Animal chegou foi um pulo. Comparando com o rock, era como se só os discos dos Beatles tivessem saído no Brasil e, de repente, lançam os Sex Pistols. O país era dominado pelos quadrinhos infantojuvenis, não tínhamos mais quase nada;.
Campos comenta que, além da arte deslumbrante, Ranxerox guarda uma grande carga de subversão política. Seu texto de introdução na edição, aliás, ajuda a contextualizar a Itália do fim dos anos 1970 quando surgiu o personagem.
No Brasil, além da Animal, Ranxerox passou pela extinta revista Heavy Metal. Mesmo para quem já conhece as histórias, a coletânea recém-lançada tem atrativos como rascunhos e pin-ups feitos por Libertore, papel de qualidade e capa dura. Tudo e mais um pouco para deixar um fã do androide italiano satisfeito.