Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Gilson Peranzzetta e Mauro Senise completam 20 anos de parceria

O bate-bola musical é comemorado com o recém-lançado disco Linha de passe

Gilson está na casa de Mauro, em Laranjeiras, Zona Sul carioca, para baterem um rango. É uma manhã de segunda-feira e, dentro em pouco, os amigos zarparão para um compromisso na TV. Entre o pianista e o saxofonista/flautista o clima familiar é inevitável. Afinal, eles mantêm uma rotina de ensaios semanais há mais de 20 anos. A parceria é brindada com o recém-lançado Linha de passe, álbum recheado de clássicos da música popular brasileira e que funciona como um complemento ao erudito Melodia sentimental, gravado com a harpista Silvia Braga no início do ano. Ouça trecho de Folhas Secas, de Gilson Peranzzetta e Mauro Senise O primeiro encontro dos dois foi armado como parte de um projeto de duos inusitados. ;A gente se conhecia muito pouquinho. Mas, logo no primeiro ensaio, curtimos à beça. Gilson trouxe composições novas, que eu fiquei de estudar. Aí ele começou a ir lá em casa todo dia. Bateu logo aquela tabelinha bacana;, resume Senise, então membro do Cama de Gato, (1) supergrupo de jazz fusion que marcou época (e entrou em estado de hibernação). E lá se vão duas décadas. Compositor prolixo, Peranzzetta mantém o compadre ocupado com um estoque de invenções e arranjos (2). O piano fica no estúdio caseiro na Rua Lopes Quintas (Jardim Botânico), pronto para uma jam. ;A gente ensaia duas ou três vezes por semana, mesmo que não tenha show, porque ele compõe muito. Tem sempre um tema novo para me mostrar. Aí eu vou lá para experimentar no sax soprano, no sax alto. A gente toma um café, toca um jazz para relaxar, um Miles Davis;, enumera Senise. Diversão A maior parte do repertório de Linha de passe foi experimentada nessas condições de temperatura e pressão. ;É aquela história: cada dia sem tocar, é uma semana que você se distancia. O instrumento se afasta de você, aí passa um Carinhoso e leva embora;, brinca Peranza. ;Mas eu acho que agente não trabalha ; a gente se diverte. Chega uma hora que vale mais o que você quer passar de emoção do que uma técnica limpa e fria. Mas isso, só o tempo traz;, ensina o pianista. Após a primeira audição, ocorrida na Sala Baden Powell, no Rio, o disco terá uma longa carreira. Em Brasília, a apresentação será em novembro. Depois disso, decola para solo estrangeiro, começando pela Argentina em dezembro. Já estão acertadas datas na Espanha, na Finlândia, na Holanda, em Portugal e na Alemanha. Se depender de Mauro e Gilson, a música de Dorival Caymmi, Ary Barroso, Garoto e Nelson Cavaquinho vai longe. ;O bom (de tocar standards) é que você chega mais perto do público;, garante Peranzzetta, que, até o dia desta entrevista por telefone, era autor de 170 composições. ;A fonte é inesgotável.; 1 - Felino de muitas cabeças Formado originalmente por Paschoal Meirelles (bateria), Mauro Senise (flautas e saxofones), Rique Pantoja (piano) e Arthur Maia (baixo), o Cama de Gato é um caso raro de sucesso no nicho da música instrumental brasileira. O LP de estreia, lançado em 1986, vendeu mais de 75 mil cópias. Embora não tenha encerrado as atividades oficialmente, o grupo está afastado dos estúdios desde 2002. 2 - A arte de recriar Peranzzetta ajudou a adornar a obra de dezenas de artistas da MPB. A lista inclui criações de Gonzaguinha a Marcelo Camelo, passando por Joyce e Elza Soares. Um de seus trabalhos mais gratificantes foi ao lado de Edu Lobo, no álbum Corrupião, de 1993. `Eu tenho a seguinte teoria: para mexer na música do outro, você precisa trabalhar tocar bastante até sentir que a música é sua, para ter liberdade para modificar. No Corrupião, eu lembro que o Edu falou que já tinha esgotado as ideias com as músicas. Uns 15 dias depois, eu voltei para mostrar a ele o que já tinha feito. Ele levou um susto. ;Como é que pode? Mudou tudo!’`, recorda o músico. UM SOPRO DE PAULO MOURA Mauro Senise começou os estudos de saxofone sob a batuta do inesquecível Paulo Moura, falecido em julho passado. Ele esteve com o mestre horas antes de sua passagem, na Clínica São Vicente, no Rio. ;Ele deixou muita coisa para a gente. Para mim em particular, pois foram seis anos estudando com ele;, lembra. Pertenceu a Paulo o sax soprano que Senise usa hoje em dia. ;A gente trocou no meio de uma aula, foi um toma lá, dá cá. Ali, dentro do meu saxofone, tem um sopro dele.; Ouça trecho de Folhas secas. LINHA DE PASSE
Disco de Gilson Peranzzetta e Mauro Senise. Gravadora Biscoito Fino. 13 faixas.
Preço médio: R$ 34.