Quem tem contato superficialmente com Sambaluayê, DVD que Renata Jambeiro lançou recentemente, pode ficar intrigado com o fato de ele reunir tantas canções que evocam os mitos e outros aspectos dos cultos afro-brasileiros. Ao assisti-lo, porém, vai se deparar com uma realidade flagrante: a ancestral ligação da cantora e atriz com os rituais de umbanda.
;Mesmo sem ter raspado a cabeça para o santo, desde criança tenho um envolvimento com essa religião tipicamente brasileira. Eu ainda não havia nascido quando, há quase 30 anos, meus pais, juntamente com o pai de santo Dario Canela, fundaram no Jardim Ingá, o centro espírita Trabalhadores da Caridade;, revela Renata. ;Cresci dentro do preceito que mistura a pajelança indígena, o sincretismo católico e os rituais africanos, representados pelos orixás e o toque do tambor;, acrescenta.
No Sambaluayê (o título, sugerido por Raul de Xangô e Veber de Oxum, significa ;samba o rei da terra;), a cantora brasiliense, com a Banda da Mina, que a acompanhou na gravação ao vivo, buscou se aprofundar nos elementos humanos geradores da história da música popular brasileira, influenciada pela ;raiz do samba;. O registro, feito durante show no Teatro Sesc, em Ceilândia, apresenta o cantor e compositor Altay Veloso vivendo um preto velho e narrando fatos que interligam os blocos de canções.
Plena na performance cênica, Renata exibe as diversas facetas de sua arte. Ao mesmo tempo em que canta, encena e exibe virtude de dançarina. Tudo isso a serviço de uma intérprete que toma o tambor como o elo entre a ancestralidade e outros períodos ; da chegada dos negros ao Brasil e até os dias de hoje. Tudo isso para mostrar a força da música, como cultura popular, a partir da perspectiva africana.
Na elaboração do DVD, Renata teve ao seu lado companheiros da música em Brasília, a começar pelo baterista, percussionista e pesquisador Leander Motta; e o violonista e coordenador da Escola Brasileira de Choro Fernando César, que assinam a direção geral e a direção musical, respectivamente. Leandro Fragonesi, cantor e compositor brasiliense radicado no Rio de Janeiro; Marcelo Sena, líder do grupo Coisa Nossa; o violeiro Cacai Nunes e o bailarino Júlio César fazem participações especiais.
Fértil parceria
Com um repertório em que a maioria das músicas homenageia, de forma ritualística, os povos que construíram a identidade cultural do Brasil, em especial os negros, Sambaluayê revela uma nova e fértil parceria, a de Renata Jambeiro e Leander Motta. Os dois assinam nada menos que seis composições: Introdução Mãe África, Ancestralidade, Sincretismo, Feminino da miscigenação e O maior espetáculo da terra. Sozinhos, Renata fez Minha oração, e Leander, Jongo para Mestre Darcy. A música que dá título ao projeto é de Beto Moura e Leadro Fregonesi.
Nomes consagrados do universo do samba aparecem com destaque nos créditos do DVD. O grande mestre do samba de roda da Bahia, Roque Ferreira, assina Corpo fechado com Telma Tavares e De maré e Preceito com Toninho Geraes. Mauro Duarte e Paulo César Pinheiro são autores de Jogo de Angola; enquanto Zé Di e Altay Veloso criaram Chamego de crioula e Firmamento, respectivamente.
Há ainda, o saudoso Sivuca (em parceria com Paulo César Pinheiro) em Mãe África; Marcelinho Moreira, Fred Camacho e Cassiano Andrade em Se é pra fazer, faz direito; Sérgio Santos e Paulo César Pinheiro (presença marcante) em Nagô; e Vovó Teresa (Jongo da Serrinha) em Vapor da Paraíba. No pot pourri em tributo aos pretos velhos, foram reunidas Ponto do vovô (domínio público), Candeeiro da vovó (Dona Ivone Lara e Délcio Carvalho), Pagode de Pai Joaquim (Dona Ivone Lara) e Cuidado vovó (Tio Hélio e Nilton Campolino). Nos extras há depoimentos de Dona Ivone Lara, Noca da Portela, Nilze Carvalho, Bruno Castro, Leandro Fregonesi e de integrantes do grupo DNA do Samba.
Com 27 anos, 11 de carreira, Renata Jambeiro iniciou a trajetória artística no teatro musical, sob a direção de Oswaldo Montenegro. Formada em artes cênicas pela Universidade de Brasília (UnB), ao longo da trajetória de 21 anos, tem desenvolvido interessantes projetos, o Mestiça (em homenagem a Clara Nunes), Meio século de samba, Fé, anjos e orixás. Desde junho ela vem promovendo Sambaluayê ; A festa da miscegenação, que ocorre quinzenalmente no Arena Futebol Clube.
O projeto, com a participação de artistas locais e de outras cidades, já teve como convidados os sambistas cariocas Noca da Portela e Moyseis, Sururu na Roda; o grupo brasiliense Mestre Zé do Pife e As Juvelinas; o dançarino de frevo Jorge Marino, o DJ Pezão. A próxima edição será amanhã e vai reunir as cantoras do coletivo Nós Negras e o grupo Pé de Cerrado, DJs do Criolina, além da Feirayê, na qual são expostos e comercializados discos, livros e outras obras de artistas candango.