Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Pirenópolis abrigará festival de filmes em que a culinária é peça-chave

Produções selecionadas têm sintonia com o movimento slow food, que incentiva o uso de produtos locais e a preservação das receitas tradicionais

O ato de cozinhar vai muito além do de cortar e misturar ingredientes em uma panela. A história de uma região pode estar descrita em uma receita familiar, e a rotina de uma comunidade pode girar em torno da tradição de fabricar um tipo especial de queijo. Para mostrar todo o processo cultural que envolve o mundo da culinária, cineastas de diversos países, inclusive do Brasil, resolveram levar a cozinha para as telas do cinema. Uma mostra desses filmes será exibida de 16 a 19 de setembro no Slow Filme ; Festival Internacional de Cinema e Alimentação, que ocorre em Pirenópolis (GO). Para acompanhar as exibições, palestras com chefs e especialistas, pratos especiais e visitas a fazendas e produtores da região.

As tradições culinárias de países como Hungria, Portugal, Irã, Sérvia, Itália e Dinamarca serão exibidas na tela do histórico Cine Pireneus, no centro da cidade, durante os quatro dias de evento. E, o melhor de tudo, com entrada franca. O festival faz parte do movimento slow food, que quer valorizar os produtos da terra e da cozinha caseira, além de ir contra a banalização da gastronomia e do ato de comer. Serão 14 filmes de curta, média ou longa metragens, que trazem no enredo a gastronomia e o desenvolvimento da alimentação como pano de fundo.

A curadoria do Slow Film está a cargo de Sérgio Moriconi. A vontade de fazer um documentário sobre a produção do baru, a castanha típica do cerrado, fez com que o crítico e professor de cinema começasse a conhecer mais sobre o movimento slow food (1). ;O filme seria uma chance de possibilitar a discussão sobre de que maneira essas culturas locais se contrapõem ao avassalador processo de globalização. Uma parte importante dele seria o movimento brasileiro e mundial, porque eles são um dos instrumentos mais explícitos de luta contra a cultura do fast food, da homogeneização dos gostos e, dentro de um conceito mais amplo, da mediocrização dos comportamentos e solapamento das diversidades;, comenta o cineasta.

O projeto foi adiado por falta de tempo, mas o desejo de conhecer e pesquisar sobre o assunto não. ;Fomos ao festival de filmes voltado para a cultura slow food na Itália, chamado de Slow Food on Film e tivemos na hora a ideia de fazer uma versão do festival aqui no Brasil;, conta Moriconi. O evento quer atrair um público interessado não só em cinema, mas nas raízes da cozinha brasileira e mundial. ;A grande poetisa goiana Cora Coralina dizia que a arte mais elevada de todas era a culinária, porque está ligada às coisas da terra, àquilo que era mais essencial no ser humano. O que mais podemos dizer? Achamos que é justamente essa dimensão telúrica, ligada ao universo gastronômico, que vai apaixonar a nossa plateia de aficionados pela gastronomia;, completa o curador.

A histórica cidade goiana não foi escolhida apenas por seus produtos típicos do cerrado, mas para celebrar a tradição. Desde de 2003, alguns produtores e chefs de Pirenópolis se aliaram ao movimento e tentam manter os costumes culinários da região. ;A cidade tem esse convívio e trabalha muito com suas raízes regionais. Temos quase 300 anos de história e mantemos o resgate da conservação da nossa cultura e também da gastronomia do Centro-Oeste;, afirma Kátia Karam, antropóloga e representante do Slow Food Pirenópolis.

Diversidade
Para abrir o festival, foi escolhido o longa brasileiro inédito Ouro negro da floresta, do diretor Delvair Montagner. O documentário mostra a vida de agricultores que tiram o sustento da produção do açaí na pequena cidade de Igarapé Miri (PA). Outro documentário nacional selecionado é Vinho de chinelos, de Paula Prandini, sobre a produção da bebida na serra gaúcha. Também fazem parte da lista animações, curtas e histórias de ficção. Para montar a programação, Sérgio se preocupou com a diversidade de temas, estilos e gêneros. ;Há documentários como o belíssimo Ainda há pastores? e obras experimentais como o Café 469. O conceito norteador é a preocupação com a identidade local, que se expressa, muitas vezes, na cultura gastronômica. Obras que se contraponham de alguma maneira a ;estandartização; da cultura globalizada, que afirmem as singularidades em suas várias facetas, sejam elas modos de vida, hábitos ou toda sorte de peculiaridade;, comenta.

Para os apreciadores da boa cozinha, o festival vai muito além dos filmes. Durante o evento será possível conhecer o circuito slow food de Pirenópolis, integrado por lugares como a Fortaleza do Baru, o Santuário Ecológico do Vagafogo e a Fazenda Babilônia. ;É a chance de o público ver a filosofia dos filmes na prática e experimentar o nosso convívio, a relação com os produtores, com a cidade e com a gastronomia. Temos uma proposta de roteiro rural no qual a pessoa vai visitar os produtores locais e depois participa de um almoço preparado por uma chef com todos aqueles ingredientes;, conta Kátia.

Palestras com especialistas serão feitas depois de cada sessão de filmes marcada para às 20h. No dia 17, o técnico em laticínios e mestre em ciência dos alimentos Múcio Furtado conversa sobre a fabricação de queijos no sul de Minas Gerais. E no dia seguinte, o chef do restaurante Dom Francisco e membro do movimento Slow Food, Francisco Ansiliero, bate um papo com a plateia sobre vinhos. Uma feira de produtos locais também vai ficar no foyer do Cine Pirineus durante os quatro dias de festival.

1 - Comer com calma
O movimento slow food (que significa, literalmente, comida lenta, em inglês) foi criado em 1986 quando o jornalista Carlo Petrini reuniu militantes para tentar impedir a abertura de uma loja do McDonalds na Piazza di Spagna. O grupo luta contra a massificação do ato de comer e incentiva os costumes culinários regionais e o consumo de produtos locais por parte dos restaurantes. Atualmente, tem mais de 100 mil membros e apoiadores em 132 países.

PROGRAMAÇÃO/CINEMA

DIA 16 ; QUINTA-FEIRA

19h30 ; Abertura oficial, com a estréia nacional do documentário Ouro Negro da Floresta (Brasil), de Delvair Montagner, com produção executiva e montagem de André Luís da Cunha


DIA 17 ; SEXTA-FEIRA

16h30 ; Programa 1 ; curtas - 63;

Manjericão & Urtigas (Holanda, 28;), Somos aquilo que perdemos (Sérvia, 5;32;), Café 469 (Irã, 5;), Pig Me (Dinamarca, 7;), Chá Preto (França, 5;) e Mamífero (Alemanha, 7;)

18h00 ; Terra Madre (Itália) - 78;

20h00 ; Ainda Há Pastores? (Portugal) - 73;

Sessão seguida de palestra de Múcio Furtado e degustação de queijos artesanais de Minas Gerais


DIA 18 ; SÁBADO

16h30 ; Mondovino (Argentina, França, Itália e EUA) - 135;

Programa 2 ; curtas ; 49;

19h00 ; Programa 2 ; curtas ; 49;

Nos bastidores da fast-food (EUA, 5;), A Revolução das bocas (EUA, 5;), Oração (Hungria, 27;) e Um dos últimos (Itália, 12;)

20h00 ; Vinho de Chinelos (Brasil) - 45;

Sessão seguida de conversa com o chef da Rede Terra Madre Francisco Ansiliero sobre a produção nacional de vinho com um brinde


DIA 19 - DOMINGO

16h30 - Ainda há Pastores? (Portugal) - 73;

18h00 ; Programas 1 e 2 ; curtas - 112;

20h00 ; Seu Bené vai pra Itália (Brasil) - 53;

Sessão seguida de uma conversa com a chef da Rede Terra Madre Teresa Corção

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