A sensação de angústia, tão típica da literatura de Marçal Aquino (autor de O invasor e Famílias terrivelmente felizes), tomou conta de Marco Ricca. O ator paulistano, 47 anos, experimenta as incertezas de quem está prestes a viver o dia de estreia. No caso, um rito de passagem especialmente cruel: à véspera do lançamento de Cabeça a prêmio, o pai da criança se desespera com os leões que o ;filho; vai enfrentar a partir de amanhã, quando será finalmente apresentado ao mundo. ;Estou passando por um momento terrível, uma semana muito angustiante. Não sei onde meu filme vai ser exibido, não sei se ele vai conseguir chegar ao público, não sei se vai ser abandonado no primeiro fim de semana. É muito triste;, desabafa.
O nervosismo tem explicação: depois de atuar em 30 filmes e 30 peças de teatro, Ricca atravessa o espelho e dirige o primeiro longa. A responsabilidade é dupla: o ator também coproduz o filme, orçado em R$ 4 milhões. ;Ainda não me considero um cineasta. Sou um ator que dirigiu;, adianta-se. A aventura está registrada em 1h45 de película, filmada há dois anos em locações como Campo Grande, Corumbá, Bonito e a fronteira entre Brasil e Bolívia. ;Muita gente diz que o filme mostra um Brasil que não aparece muito no cinema. Quando cheguei a Campo Grande (MS), fiquei chapado;, lembra.
O que engatilhou essa jornada cinematográfica, no entanto, nem Ricca sabe. ;Talvez tenha sido destino;, arrisca o ator, que está no elenco da novela Ti-ti-ti. Cabeça a prêmio, o romance publicado por Marçal Aquino em 2003, oferece armadilhas que intimidariam veteranos. A grandiosidade da trama é digna de Hollywood. ;Daria para filmar o livro exatamente como ele é. Mas custaria R$ 200 milhões. Decidimos nos basear mais nos personagens do que na história. Levamos a alma dos personagens para o filme;, explica Ricca, que escreveu o roteiro com Felipe Braga e colaboração do próprio Aquino.
O invasor
A parceria com escritor, aliás, não é nova. Ricca interpretou o protagonista de O invasor (2001). E dedicou-se intensamente à concepção de Crime delicado (2005), em que atuou e produziu. Nos dois filmes, estreitou a amizade com Aquino e com o diretor Beto Brant. ;Se tem um cineasta que admiro no mundo, é ele;, afirma. O cenário de Cabeça a prêmio o lembra outro longa assinado por Brant e Aquino: Os matadores, de 1997. Dois dos personagens principais, interpretados por Eduardo Moscovis e Cássio Gabus Mendes, são capangas que atuam em regiões fronteiriças, terras de ninguém. ;Mas quem me dera filmar como o Beto;;, pondera o diretor.
A narrativa é, de fato, mais ambiciosa. Desenvolvida em três ;núcleos;, acompanha tipos ligados a uma família de pecuaristas corruptos. Entre eles, a filha do patrão (Alice Braga), o piloto (o uruguaio Daniel Hendler, de O abraço partido) e o chefão (Fulvio Stefanini). O entrosamento do elenco é um dos destaques do filme, que se beneficia do traquejo teatral de Ricca. Mas, ao público brasiliense, ele pede atenção especial a outro elemento do filme: a luz. ;Ela me lembra muito a luz de Brasília. É amarelada. E tem a imensidão do céu, a terra vermelha, a poeira;, descreve o diretor, que esteve na capital para filmar Rua 6, sem número (2003), de João Batista de Andrade. ;Acho que o filme vai pegar em Brasília;, arrisca-se. ;Mas é impossível prever;, pondera o cineasta de primeira viagem.
CABEÇA A PRÊMIO
(Brasil, 2009, 104min, drama, não recomendado para menores de 18 anos) De Marco Ricca. Com Daniel Hendler, Alice Braga, Eduardo Moscovis e Fulvio Stefanini. Estreia amanhã. Confira salas e horários no Divirta-se.