postado em 18/08/2010 07:00
Pode-se afirmar com certeza que o teatro brasileiro se divide entre o antes e o depois deVestido de noiva (1), peça encenada pela primeira vez em dezembro de 1943 e que revolucionou as artes cênicas no país. Sob a supervisão e a direção de um polonês recém-chegado ao Brasil, Zigbniew Ziembinski, e sobretudo pelo texto de um dos maiores dramaturgos do Brasil, Nelson Rodrigues, o espetáculo inaugurou uma era de modernidade no teatro nacional. E é justamente a obra rodrigueana que será o foco do Mitos do Teatro Brasileiro, projeto mediado pelo ator e diretor Jones Schneider que, a cada mês, presta homenagem a uma personalidade cênica, intercalando cenas inéditas criadas pelo jornalista e dramaturgo Sérgio Maggio e um bate-papo com artistas que conviveram com o homenageado.
O evento, que acontece hoje à noite no CCBB, vai marcar a volta aos palcos de uma das principais atrizes de Brasília, Dina Brandão. Após 12 anos de afastamento, dedicada ao trabalho como servidora pública e a incursões no cinema, o que lhe acabou rendendo recentemente um prêmio especial no Festival de Cinema Brasileiro de Miami, ela confessa estar sentindo um friozinho na barriga pela reestreia. ;Não surgiam os convites que eu queria, e alguns que apareciam não me interessavam. Mas será um grande prazer e um grande desafio voltar aos palcos após 12 anos, ainda mais em um projeto tão interessante como esse. Mesmo com 36 anos de carreira, sempre dá um frio na barriga, uma ansiedade. É como se fosse a primeira vez. Mas depois que a gente sobe no palco e encarna o personagem, tudo passa;, comenta Dina, que está rodando o longa do cineasta Pedro Lacerda Vidas vazias e as horas mortas.
Para ela, um dos méritos do Mitos é dar oportunidade a atores de Brasília que andavam afastados dos palcos e colocá-los no mesmo patamar de artistas consagrados, como os próprios homenageados, e os que vêm para participar do bate-papo. ;É um ato de generosidade muito grande e não deixa de ser um voto de confiança. Valorizar quem fez a história do teatro da capital e que não está muito em evidência;, destaca.
Parceiro de Dina nas cenas que vão abordar a trajetória de Nelson Rodrigues no CCCB, o ator Jones Schneider acredita que de todos os homenageados do projeto, o jornalista e dramaturgo é o que tem a biografia mais vasta e com mais material disponível. Entretanto, a ênfase vai ser na obra de Nelson, apesar de sua vida merecer um capítulo à parte. ;Falar de Nelson Rodrigues é falar da modernidade no teatro brasileiro. Só por ser um texto de Nelson Rodrigues, já atrai público. O que o torna tão diferente é que ele desbunda tudo, mostra a sociedade nua e crua. Coloca ali todas as coisas boas e ruins da vida, as mazelas e as feridas da nossa sociedade;, opina.
1 - Vestido de Noiva
Peça de teor psicológico, escrita por Nelson Rodrigues e encenada pela primeira vez em 1943, com direção do polonês Ziembinski e interpretada pelo grupo Os Comediantes. O espetáculo apresenta três planos que se intercalam: o da alucinação, o da realidade e o da memória. Conta a história de Alaíde, moça que é atropelada por um automóvel e, enquanto é operada no hospital, relembra o conflito com a irmã Lúcia, de quem tomou o namorado Pedro, e imagina seu encontro com Madame Clessi, uma cafetina assassinada pelo namorado. Vestido de noiva está na lista dos livros cobrados pelo Programa de Avaliação Seriada (PAS) da Universidade de Brasília deste ano.
Chamado de gênios por uns, tarado por outros. No entanto, quem melhor definiu Nelson Rodrigues foi ele próprio: ;Sou um menino que vê o amor pelo buraco da fechadura. Nunca fui outra coisa. Nasci menino, hei de morrer menino. E o buraco da fechadura é, realmente, a minha ótica de ficcionista. Sou (e sempre fui) um anjo pornográfico;.
Para a atriz Camila Amado, uma das convidadas de hoje à noite, Nelson Rodrigues é, disparado, o maior dramaturgo do teatro brasileiro e não tinha o menor pudor em quebrar as regras sociais. ;Na sua obra, a gente tem o contato com o universo da classe média brasileira, a gente conhece a identidade brasileira e a questão da moral também. Cheguei a conhecê-lo e me lembro que, sempre que uma peça sua estava em cartaz, Nelson estava lá religiosamente dentro da bilheteria tomando sorvete e acompanhando o movimento;, conta. A atriz, que encenou a remontagem de Ziembinski para Vestido de noiva, em 1976, relembra com carinho essa experiência, um dos marcos de sua carreira. ;Foi inacreditável. Ziembinski era um dos maiores diretores do teatro, tinha uma concepção linda de Vestido de noiva. Eu me lembro que ele me deu uma síntese da personagem Alaíde, em uma frase: ;Ela é como um peixe da lagoa. Quer respirar, mas não pode;;, recorda Camila.
Outra convidada de logo mais é a atriz Beth Goulart, que sempre admirou a obra rodrigueana, porém, tem uma relação especial com o dramaturgo devido a uma história de amor entre ele e sua avó, a também atriz Eleonor Bruno. Foi para ela que o jornalista dedicou a peça Doroteia, de 1949. ;Sempre tive vontade de montar alguma coisa do Nelson, e nessa procura acabei conhecendo essa história das cartas e bilhetes enviadas por ele pra ela. Doroteia foi a estreia da minha avó como atriz;, revela. No ano 2000, Beth decidiu prestar uma homenagem a Eleonor com o espetáculo Doroteia minha, em que narra, como uma cantora de Cabaré, toda essa história sobre as cartas, por meio de muita música, dança e performances. ;Nessa peça, tive contato com o homem Nelson Rodrigues por meio da minha própria história, das minhas raízes. Isso foi bem interessante. Ele era uma figura que aliava a agilidade jornalística com a ousadia do surrealismo. Tinha uma força criativa que só os grandes possuem. Até hoje, não vejo nenhum outro dramaturgo como ele, nessa magnitude;, salienta a atriz.
MITOS DO TEATRO BRASILEIRO ; NELSON RODRIGUES
Hoje, às 19h30, no Centro Cultural Banco do Brasil Brasília (SCES, Trecho 2, Lote 22), com os atores Jones Schneider e Dina Brandão e participações especiais das atrizes Beth Goulart e Camila Amado. Entrada franca. As senhas serão distribuídas na bilheteria com uma hora de antecedência. Telefone: 3310-7087. Não recomendado para menores de 12 anos. O CCBB disponibiliza ônibus gratuito saindo do Teatro Nacional a partir das 11h.
Frases famosas de Nelson Rodrigues
- Toda a unanimidade é burra
- Só o inimigo não trai nunca.
- Nem todas mulheres gostam de apanhar, só as normais.
- Deus está nas coincidências.
- Tudo passa, menos a adúltera. Nos botecos e nos velórios, na esquina e nas farmácias, há sempre alguém falando nas senhores que traem. O amor bem-sucedido não interessa a ninguém.
- Se todos conhecessem a intimidade sexual uns dos outros, ninguém cumprimentaria ninguém.
- Muitas vezes é a falta de caráter que decide uma partida. Não se faz literatura, política e futebol com bons sentimentos...
- O pudor é a mais afrodisíaca das virtudes.
- Só o cinismo redime um casamento. É preciso muito cinismo para que um casal chegue às bodas de prata.
- O boteco é ressoante como uma concha marinha. Todas as vozes brasileiras passam por ele.
- As grandes convivências estão a um milímetro do tédio.
- O jovem tem todos os defeitos do adulto e mais um: o da inexperiência.
- O artista tem que ser gênio para alguns e imbecil para outros. Se puder ser imbecil para todos, melhor ainda.
- Os homens mentiriam menos se as mulheres fizessem menos perguntas.
- Todo amor é eterno. Se não é eterno, não era amor.
- Ser bonita não interessa. Seja interessante!
- Amar é dar razão a quem não tem.
- Só acredito nas pessoas que ainda se ruborizam.
- A grande vaia é mil vezes mais forte, mais poderosa, mais nobre do que a grande apoteose. Os admiradores corrompem.
- O amor entre marido e mulher é uma grossa bandalheira. É abjeto que um homem deseje a mãe de seus próprios filhos.
- A plateia só é respeitosa quando não está a entender nada.
- A mulher ideal deve ser dama na mesa e puta na cama.
Lista das principais peças de Nelson Rodrigues
* A mulher sem pecado - 1941
* Vestido de noiva - 1943 -
* Álbum de família - 1946
* Anjo negro - 1947 -
* Doroteia - 1949 -
* A falecida - 1953 -
* Perdoa-me por me traíres - 1957 -
* Viúva, porém honesta - 1957 -
* Os sete gatinhos - 1958 -
* O beijo no asfalto - 1960 -
* Bonitinha, mas ordinária - 1962 -
* Toda nudez será castigada - 1965 -
* A serpente - 1978