Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Divinamente jazzística

Quando Elza Soares soltou a voz rouca cheia de nuances e suíngue em What a wonderful world, a consagradíssima canção de Louis Armstrong, abrindo o show que fez na terça-feira, no Teatro Oi Brasília, pelo festival internacional I love jazz, pegou boa parte do público de surpresa. Era gente que conhecia a mulata assanhada apenas como sambista.

Mas logo todo mundo caiu na real e se encantou com a performance da artista múltipla que, nascida numa favela do Rio de Janeiro, viria a ser escolhida, em 2000, a ;cantora do milênio;, pela acreditada BBC de Londres. Para que ninguém ficasse intrigado, ela cuidou de contar como se aproximou de Armstrong, um dos ícones do jazz norte-americano, em Viña del Mar (Chile), durante a Copa do Mundo de 1962. O relato bem humorado e cheio de detalhes, digamos, picantes levou a plateia à gargalhada.

Para exibir seu talento interpretativo, Elza teve a acompanhá-la um trio de craques, liderado pelo guitarrista Victor Biglione e integrado por Sérgio Barroso (contrabaixo) e Vitor Bertrame (bateria). Eles contaram com o trompetista Altair Martins e o saxofonista Nivaldo Ornelas (convidado especial).

Aliás, foi o trio que abriu os trabalhos com set portentoso, formado por Blue monk (Thelonious Monk), In a sentimental mood (Duke Ellington) e Vivo sonhando (Tom Jobim). Em seguida, o grupo se colocou a serviço da estrela da noite. Logo que Elza começou a cantar Sentimental reasons, do repertório de Nat King Cole, um problema técnico impediu ; por momentos ; Biglione de continuar tocando. Com impressionante senso de oportunidade, ela o substituiu, empunhando uma fictícia guitarra e tirando sons com a voz.

Com o problema contornado e o grupo recomposto, o show continuou de forma brilhante. Elza utilizou toda sua capacidade de improvisação em Just in time, uma das músicas preferidas da diva Nina Simone. Em Cry me a river (Arthur Hamilton), ela parecia querer se superar, mas viria a conseguir isso no clássico Summertime (George Gershwin), levando os espectadores ao delírio.

;Neste show não poderia deixar de homenagear Tom Jobim, o compositor que fez a música brasileira ser respeitada nos Estados Unidos;, disse Elza, antes de fazer o medley que incluiu Só danço samba e Garota de Ipanema. Parte dessas composições fará parte do My soul is black, CD que pretende lançar até o fim do ano.

Como tem samba no sangue e na alma, Elza afirmou ;I love samba; e fechou o show com o ritmo brasileiríssimo, fazendo citações de sucessos de sua carreira, como Se acaso você chegasse (Lupicínio Rodrigues), Mulata assanhada (Ataulfo Alves) e Beija-me (Roberto Martins e Mário Rossi). Terminou com Maracangalha, de Dorival Caymmi, num arranjo samba-jazz.

A primeira noite do I Love Jazz teve ainda o performático grupo Pink Turtle. Os sete músicos franceses, pela segunda vez no festival, alegraram o público, que resistiu ao atraso da entrada deles em cena, com divertidas versões de hits pop atemporais, como Sir Duke (Stevie Wonder), Hotel California (Eagles), Roxane (The Police) e Billy Jean (Michael Jackson).