Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Coletânea de Anderson Braga Horta investiga décadas de produção poética por meio dos próprios versos

Contar um pouco da história da poesia por meio da poesia. É o exercício que Anderson Braga Horta, mineiro de Carangola que mora na capital desde 1960, realiza no livro Signo: antologia metapoética. O experiente escritor, vencedor do Prêmio Jabuti de poesia com Fragmentos da paixão em 2001, percorre décadas de vanguardas de estilo e reúne, na nova obra, uma produção voltada para uma reflexão sobre o fazer poético. ;Nós tivemos o romantismo tardio, o neoparnasianismo, o neosimbolismo. Antes que chegasse o modernismo. E fui passando por tudo isso;, conta. Horta lança seu livro hoje, a partir das 18h30, no restaurante Carpe Diem (104 Sul). O primeiro e mais extenso capítulo do livro, Signo, reproduz textos que datam de 1950. Cinco décadas de poesias sobre poesia estão organizadas em ordem cronológica, seguidas de breves anotações críticas, em Notas e fragmentos. ;Procuro mostrar meus caminhos em relação à poesia, daí a razão da ordem. A ordem é para que se veja bem as idas e vindas, as influências que ia assimilando no decorrer do tempo;, explica. O autor, nascido em 1934, sempre teve uma ligação muito forte com a leitura e a escrita. Os pais, professores e poetas, cultivavam um lar com ;ambiência literária;. Horta, desde cedo, gostava de folhear os livros que encontrava pela casa. Principalmente, de poesia. Numa dessas pequenas aventuras, encontrou O navio negreiro, de Castro Alves. ;Além da predisposição, houve esse encantamento, essa iniciação com a poesia de Castro Alves;, revela. ;Que quer o poeta rodando/ seu comboio de palavras?/ Ao diapasão da poesia/ afina a alma;, Horta versa em Trenzinho. O conhecimento e a experiência servem ao escritor como um manancial, em que ele se serve de recursos linguísticos e conhecimento teórico sobre poesia. ;Desde que comecei a publicar, procuro utilizar todos os recursos de que me aproximei, sem preconceito;, conta. Tradução Horta também é tradutor, verte escritos em espanhol e francês para o português, e costuma se arriscar traduções do inglês e do italiano. Em Notas e fragmentos, defende que ler e traduzir poesia são atividades semelhantes. ;Ler um poema, na medida em que é outra coisa que não a da prosa a linguagem da poesia, implica ;traduzi-lo;, isto é, trazê-lo a nossa linguagem habitual;, escreve. Apesar da proposta de antologia, as pequenas observações em prosa parecem ter a mesma relevância que a criação ;metapoética; de Horta. Como quando ele afirma que ;a minha poesia é melhor do que eu; ou entende que ;poesia é forma e pensamento integrados;. ;Acho que as notas (no livro) não têm contribuição para a minha poesia. São um reflexo de minha produção;, analisa. O autor filosofa com a sinceridade e a serenidade de quem há anos versa e pensa sobre o que versa. ;Deixe que a mão escreva;, ele talvez recomenda a si mesmo no início de cada estrofe de Poética. Ou a quem quer que chegue a ter em mãos o seu novo livro. O poema; Rústica Era um homem simples, rústico. Tomou a cigarra entre dedos carinhosos e quedou-se embevecido, sentindo a poesia cantar dentro da mão todo-poderosa. Rosa, rosácea Não interrogues o poeta.Que sabe o rio de suas águas? Bebamos o poema, esse Caminho venturoso e sacrificial entre a rosa revelada e a rosa alquímica. Captura Poesia: pássaro pleno voando puro no espaço. O poema: pássaro morto, ex-pássaro. Meta poética Não um poema de forma fixa forcejando por levantar vôo. Nem um poema de formas livres saudosas de lastro, âncora, terra. Um poema sem forma como a flor que se abre no peito. Fogo ou neve, o poema Basta às vezes uma palavra para acender o poema. Às vezes menos: memória de um gluglu de água escondida, uma nuvem; De outras vezes, o poema não se acende, não vem, ou vem frio. Abençoado o poema que vem, ainda que frio. Belo ou tosco, sarça ardente, aurora boreal, incêndio frio, duro gelo polar, ele é sinal de que a alma ainda vislumbra, ainda sonha as estrelas de onde veio. Microcosmo A Música, a poesia e o Amor. ABC dos deuses, que em nossa pequenez gloriosamente deciframos. Letras com que reconstituímos o Verbo, redizemos o Som essencial, reordenamos o Caos. Amor, Música, Poesia. Somos deuses em nossa pequenez. "A poesia é a palavra que se faz pássaro para cantar e voar." "Isso de versos inspirados é um perigo. Nem sempre são dádiva dos deuses; às vezes vêm, mesmo, do fundo da memória." "O pensamento é uma extensão dos sentidos. Se pudéssemos tudo ver, não precisaríamos pensar."