Jornal Correio Braziliense

Diversão e Arte

Aumenta número de sites que oferecem gratuitamente obras de vários gêneros

Mas a tendência esbarra na questão dos direitos autorais e na exclusão digital

A internet colocou ao alcance dos dedos de 54 milhões de brasileiros acervos preciosos que estavam restritos a baús de parentes, arquivos de empresas, bibliotecas de instituições ou a gavetas do Estado. Na última década, movidas por vários interesses, entre eles a democratização do conhecimento, entidades públicas e privadas digitalizaram seus patrimônios culturais e permitiram ao público acesso a documentos, fotografias, músicas, livros e filmes de forma segura (para o internauta) e dentro da lei, respeitando os direitos autorais de seus autores. Bens históricos ou pitorescos estão nessas prateleiras virtuais. É o caso das imagens do Brasil de 1800 capturadas pela lente do fotógrafo Marc Ferrez, cuja obra faz parte do acervo do Instituto Moreira Salles (IMS), guardião de mais de 600 mil imagens fotográficas, 5 mil delas já disponibilizadas na rede mundial de computadores. Ou das fichas, antes secretas, da época da ditadura sobre as supostas atividades subversivas do cineasta Glauber Rocha, um dos ícones do Cinema Novo, morto em 1981. A digitalização de acervos é um dos principais instrumentos para que o acesso democrático à informação de fato ocorra. No entanto, a Lei de Direitos Autorais (n; 9.610/98) vai na contramão desse movimento. O site tempoglauber.com.br, comandado pela mãe do cineasta, dona Lúcia Rocha, de 92 anos, oferece uma série de informações, como a biografia, a filmografia, contextualizadas historicamente, além de documentos, fotos e anotações íntimas. Mas, devido à atual lei autoral, evita disponibilizar filmes dele na internet. Por isso, quem quiser assistir aos premiados Deus e o diabo na terra do sol ou Terra em transe, precisa ir à sede da instituição, um casarão antigo que fica em Botafogo, bairro carioca onde viveu e morreu Glauber, aos 42 anos. Mas há sites de fácil acesso a obras livres da cobrança de direitos autorais, como o , vinculado ao Ministério da Cultura. São mais de 130 mil opções, como toda a obra de Machado de Assis. ;A população está diante de uma imensa estante de livros. Estamos realmente caminhando bem em relação à digitalização de acervos. Mas isso faz o povo ser mais instruído? Não!”, argumenta o professor Gilberto Lacerda Santos, especialista em tecnologia na educação da Universidade de Brasília (UnB), para quem falta à população saber buscar e utilizar a informação de forma pertinente. De acordo com ele, a democratização do acesso só ocorrerá depois que o país tiver leitores qualificados e conscientes. Para isso, o especialista aponta a escola como fator fundamental nessa inclusão. ;Só com uma escola de qualidade teremos informação transformada em conhecimento;, destaca. O perfil do usuário da rede mundial de computadores reforça a análise feita por Gilberto Santos. Revelando a disparidade entre aqueles que têm acesso ao mundo digital e seus excluídos, pesquisas apontam que mais da metade da população brasileira (60%) nunca surfou na net. Somente 17% das classes D e E tiveram acesso a um computador nos últimos três meses, segundo dados da mais recente Pesquisa TIC Domicílios, feita pelo Centro de Estudos sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Cetic). Dados que contrastam com o número de internautas das classes A e B com acesso à rede mundial de computadores: quase 70%. Responsável pelo Mapa da Inclusão Digital de 2009, elaborado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (Ibict), a pesquisadora Anaísa Gaspar admite que ainda há muito a fazer. ;Colocamos o Brasil científico na rede, mas falta atingir a parcela da população que está à margem desse processo;, diz. De acordo com o levantamento, há apenas 21 mil pontos de inclusão digital (em escolas, por exemplo) em todo o país. ;É muito pouco;, reconhece. E para evitar que as mudanças de governo prejudiquem o avanço dos projetos, ela sugere que órgãos e programas públicos trabalhem ao lado da iniciativa privada. É o caso do projeto Curta na Escola, braço social do site Porta Curtas. O projeto fornece 270 curtas-metragens considerados de conteúdo pedagógico a 19 mil escolas cadastradas no site portacurtas.com.br, que é de iniciativa privada, mas tem patrocínio da Petrobras. Em apenas dois anos, esses filmes foram vistos on-line por mais de 10 milhões de alunos em salas de aula, fortalecendo o material didático de milhares de professores da rede pública de ensino e permitindo que esses jovens de norte a sul do país conheçam um pouco da sétima arte. O site tem mais de 8 mil filmes cadastrados. Mudanças à vista # Os direitos autorais protegem as criações intelectuais, expressas por quaisquer meios e em quaisquer suportes. Estão nesse contexto obras literárias, artísticas e científicas. Entre os beneficiados pelos direitos autorais estão compositores, músicos, escritores, tradutores, cineastas, arquitetos, escultores, pintores, e outros. Há dois anos, o Ministério da Cultura vem tentando elaborar um texto novo visando atualizar a lei que trata dos direitos autorais (n; 9.610/98). O texto está disponível para consulta e crítica públicas. Dentre as regras que podem sofrer alteração há desde a descriminalização da xerox de livros até a possibilidade de acervos públicos poderem disponibilizar obras para fins educacionais. (abaixo, confira um box comparativo entre a lei atual e a do ante projeto). Artistas contrários à mudança da lei avaliam que os artigos propostos pelo governo flexibilizam demais os direitos, colocando em risco a sobrevivência de quem vive apenas dos direitos de sua obra ; caso, por exemplo, de compositores que não fazem shows. Sites que divulgam seus acervos ; Foi chamado de tempo e não templo em uma homenagem à obra do cineasta, que seria imune a ele. Lá estão a biografia, a filmografia, contextualizadas historicamente, além de documentos, fotos e anotações íntimas. ; Hospedado no Uol, o site dos Instituto Moreira Salles agrada principalmente quem se interessa por fotografias (há 5 mil imagens digitalizadas) e literatura. ; Site com mais de 8 mil curtas-metragens. ; São mais de 130 mil obras ; em som, imagem, texto e vídeo ; livres de direitos autorais. Entre eles, toda a obra de Machado de Assis. ; Lá você acessa os repositórios digitais de várias universidades públicas do país e bibliotecas virtuais sobre diversos temas, entre eles artes cênicas e literatura. ; Somente da coleção Aplauso, são 174 obras, entre biografias, roteiros e histórias da TV brasileira. Outros livros também estão disponíveis no acervo digital da editora, como Retratos da Leitura, livro que reúne dados e artigos sobre os hábitos de leitura do brasileiro, coordenado pelo jornalista Galeno Amorim. Confira o anteprojeto no site: Para enviar propostas, o e-mail é: Saiba mais sobre o projeto que muda a Lei dos Direitos Autorais Abaixo, alguns pontos comparativos entre a lei atual e o anteprojeto: Acesso à cultura: Como está: um professor não pode exibir um filme ou uma novela em sala de aula como recurso didático pela legislação atural. Também não é possível a cópia para preservação e conservação de acervos de bibliotecas e arquivos, o que, claramente, prejudica o acesso à cultura, pelo risco que essa impossibilidade cria para manutenção e continuidade desses ativos culturais. Como pode ficar: haverá novas possibilidades para uso de obras sem necessidade de pagamento ou autorização. Entre elas: para fins didáticos; cineclubes passam a ter permissão para exibirem filmes quando não haja cobrança de ingressos; adaptar e reproduzir, sem finalidade comercial, obras em formato acessível para pessoas com deficiência. Segurança para o patrimônio histórico e cultural: Como está: bibliotecas, museus ou cinematecas que tenham em seu acervo obras em processo de degradação por umidade ou traças, por exemplo, têm de deixá-las se perderem, se não conseguirem a autorização dos titulares de direitos. As cópias, mesmo com o intuito de preservação, sem autorização do titular dos direitos autorais só é permitida para obras que já caíram em domínio público. Como pode ficar: instituições que cuidam desse patrimônio poderão fazer reproduções necessárias à conservação, preservação e arquivamento de seu acervo e permitir o acesso a essas obras em suas redes internas de informática. Não se trata de colocar as obras disponíveis na internet para acesso livre. Permissão para explorar obras de acesso restrito: Como está: a exploração de obras em que o autor não pode ser localizado não está regulamentada, causando insegurança jurídica quanto ao seu uso. Neste e em outros em que uma obra de interesse público esteja fora de circulação no mercado, um ente interessado em explorá-la comercialmente poderá requerer uma licença, desde que comprove capacidade para isso e que remunere os titulares da obra pelo uso. Hoje, a sociedade fica privada de acessar esta obra, mesmo que queira pagar por esse acesso. Como pode ficar: passam a ter a possibilidade de pedir uma autorização para comercializar obras que estejam inacessíveis ou com acesso restrito. Para isso, devem solicitar ao Estado a licença não voluntária da obra. Reprodução de obra esgotada: Como está: a obra esgotada não pode ser copiada para fins privados e sem finalidade comercial. Por exemplo, um estudante de pós graduação que precisa de um livro de referência para sua pesquisa, cuja edição está esgotada e existem poucos exemplares disponíveis na biblioteca, não pode obter uma fotocópia integral deste livro. Como pode ficar: está permitida a reprodução, sem finalidade comercial, das obras com a última publicação esgotada e também que não têm estoque disponível para venda.