postado em 29/07/2010 07:00
Se a música erudita ainda carece de reconhecimento popular, imagine então o que acontece com a luteria, prática artesanal que se dedica à criação de instrumentos de corda com caixa de ressonância. A jornalista Marcia Glogowski se lançou na tarefa de divulgar o trabalho do luthier (o artista da luteria) Saulo Dantas-Barreto e seu projeto mais ambicioso: o violoncelo Aleijadinho, ornamentado com imagens do artista barroco. A pesquisa resultou no livro Aleijadinho, o violoncelo: a luteria de Dantas-Barreto, publicado em edição bilíngue (português/inglês). ;Ela (a luteria) não é conhecida porque não há literatura sobre ela. Outro fator é que ela não é uma arte popular. É um pouco falta de registro e também de hábito de ouvir música erudita;, observa Marcia.A autora conta um pouco da história da luteria, mas dá ênfase às criações do pernambucano Dantas-Barreto. Ele estudou música na adolescência e se tornou violinista pela Universidade Federal da Paraíba. A verdadeira vocação foi descoberta durante o curso, num ateliê de luteria. Em 1988, Dantas-Barreto foi admitido no Instituto Internacional de Luteria A. Stradivari de Cremona, o mais conceituado do mundo e casa de clássicos luthiers, como Antonio Stradivari, Nicoló Amati e Andrea Guarnieri. De volta ao Brasil depois de formado, o artista se instalou em São Paulo e iniciou uma série temática de instrumentos ornamentados.
Entre as criações mais importantes, estão o violino Floresta do Amazonas e o violoncelo Aleijadinho. Marcia diz que o cello, além da beleza estética, proporcionada pelo resgate do barroco, traz inovações estruturais para a luteria. ;A ornamentação na parte da frente, que tem uma madeira mais dura que a das laterais. Isso é incomum. E a barra harmônica que, na nossa linguagem de leigo, é uma madeira reta que fica embaixo da quarta corda. Para aumentar a barra e dar mais potência ao som, ele fez uma curva na ponta. O Aleijadinho, embora tenha quatro anos, tem um som tão bom quanto instrumentos históricos, que tem 300 anos;, explica. O violoncelo apresenta imagens do titã Atlante, da mitologia grega, e do profeta bíblico Daniel, desenhadas por Dantas-Barreto com inspiração na obra do escultor barroco. ;É uma mescla de música, escultura e pintura;, diz o luthier sobre o instrumento.
Apesar da tradição da luteria, que segue princípios técnicos há centenas de anos, desde a Idade Média, Dantas-Barreto apostou na inovação e colocou em suas criações novos conceitos estéticos e técnicos. Para ele, a verdadeira tradição da luteria é a inovação. ;Pra muita gente você está sendo herege, modificando algo que não deveria ser modificado. Na época de ouro da luteria, eles passavam a vida toda experimentando e inovando. Hoje em dia é mais difícil fazer um trabalho meticuloso. A luteria é uma das poucas atividades em você não vê fabricação em série. A melhor tecnologia é fazer um trabalho artístico. Quem vai julgar a qualidade são pessoas, não instrumentos de medição;, comenta Dantas-Barreto.
O consagrado violoncelista Antonio Meneses e Júlio Medaglia, compositor e principal regente convidado da Ópera Nacional da Bulgária, julgaram e aprovaram o Aleijadinho. Na apresentação do livro, Meneses garante que o ;som é perfeito;. ;Para um músico brasileiro, tocar um instrumento brasileiro é uma emoção indescritível;, acrescenta. Medaglia profetiza, no prefácio: ;O Aleijadinho está destinado a ser um instrumento olímpico, tocado por músicos de todas as nacionalidades, em ocasiões especiais;.