Wilson das Neves já ouviu centenas de bateristas e até hoje não sabe quem é o melhor. Não gosta desse papo de ;mito;, de ;monstro;. Referência para bateristas de várias gerações, o músico de 74 anos, que já gravou com mais de 600 artistas, recusa até o título de mestre. ;Quanto mais a gente aprende, menos sabe. Eu não sei nada;, afirma ele, que sempre que pode vai ver algum colega tocar, inclusive os mais jovens, para aprender algo novo. Modéstia? ;Não. Isso é vivência. Você tem que saber que não é melhor do que ninguém. A gente está aqui para isto: vir, aprender, deixar alguma coisa e voltar para onde veio.;
Elegante, boa-praça, criador de um simpático bordão (;Ô, sorte!”) e talentoso até dizer chega, Das Neves diz que nunca quis tocar, não. A música é que se engraçou com ele. Também não pensava em cantar, mas em 1996, aos 60 anos, lançou seu primeiro disco como autor e intérprete, O som sagrado de Wilson das Neves. O segundo, Brasão de Orfeu, saiu em 2004. O terceiro, Pra gente fazer mais um samba, chega agora às lojas, pouco depois de ter sido lançado na Europa. Pelas prateleiras de lá também pode ser encontrado Que beleza, álbum do grupo Ipanemas que ele gravou em 1964 e acaba de ser editado em CD pelo selo londrino Far Out.
E tem mais: o mineiro Cristiano Abud está dirigindo um documentário sobre ele, chamado O samba é meu dom. No filme, o músico conta histórias de seus 56 anos como baterista profissional, participando de orquestras e acompanhando nomes como Elis Regina, Wilson Simonal, Roberto Carlos, Elza Soares; (a lista é enorme, ele anota tudo). Com Elizeth Cardoso, por exemplo, começou a tocar em 1973 e ficou até o fim (a Divina morreu em 1990). ;Só posso dizer o seguinte: Elizeth era ;o; cara. Ah, como eu queria que ela estivesse viva para cantar minhas músicas; Ela e Jamelão;, comenta o músico, que está na banda de Chico Buarque há 26 anos e vive sendo reverenciado pelo patrão no palco. ;É outro que é ;o; cara. Chico, Elizeth e Ney Matogrosso. Ô, sorte!”
Dom divino
Nascido na Glória, no Rio de Janeiro, Wilson das Neves foi criado ouvindo choro e as chamadas jazz bands, que tinham banjo, bateria e trombone. ;A música estava ali, nas festas da casa da minha tia, e depois no candomblé. Eu tinha que ser músico mesmo;, constata ele, que não teve nem pai nem avô instrumentista, mas se viu numa família de irmãos bateristas (o mais velho já morreu; o mais novo mora na Bélgica). Nenhum de seus filhos (ele teve quatro, dois faleceram) e netos (são quatro) seguiu na música. Quem sabe João, o bisneto; ;Não forço ninguém a nada. Cada um tem seu dom.;
Para Das Neves, que começou aos 14 anos, incentivado por Edgar Nunes Rocca, o Bituca, e aos 18 já era profissional, música é algo divino mesmo. ;Foi ela quem me escolheu.; Ele diz que não planejou nada. Começou a compor em 1973, mas não mostrava as melodias para ninguém. Até que um dia foi convencido por Paulo César Pinheiro e ganhou seu primeiro parceiro. Com Pinheiro, fez mais de 60 músicas. Todas assim: ele grava as melodias em fitas-cassetes, na base do ;lalalá;, depois ajeita com o cavaquinho, e manda para os parceiros fazerem a letra.
Falam bastante de sua batida, muitos a reconhecem de imediato, mas ele diz que é só porque está há mais tempo na praça e gravou muito. ;As pessoas se acostumaram comigo;, justifica. ;Batida é uma coisa natural. Ninguém toca igual a ninguém. Cada um tem sua jogadinha, sua ginga, seu suingue;, garante o sambista, que já gravou de tudo quando era baterista contratado de gravadora ; inclusive o primeiro disco de rock de Roberto Carlos ; e desde 2003 sobe ao palco ao lado dos meninos da Orquestra Imperial. ;No meio daquela juventude, eu me sinto um garoto. Eles têm o maior carinho por mim e eu adoro eles.;
Um pouco dessas histórias, Das Neves vem gravando em fitas-cassetes para, quem sabe, um dia sair num livro. ;Vou me lembrando das coisas e contando lá. Falo de como comecei, de casos engraçados, das minhas avôs, da minha bisavô.; Ele era o xodó da bisavó materna, que morreu aos 116 anos. ;Não quero isso tudo pra mim, não, porque aí você começa a ficar chato, né? Se bem que minha bisavó era muito boazinha;, ri. ;Chegar aos 90 e poucos está bom. Quero ver os bisnetos andando por aí.;
O novo disco
Pra gente fazer mais um samba tem 13 faixas compostas por ele em parceria com os letristas Paulo César Pinheiro, Nelson Rufino, Nei Lopes, Arlindo Cruz, Delcio Carvalho, Roque Ferreira e Vitor Pessoa. A mais recente é de um ano atrás; a mais antiga, Folha no ar, da década de 1970. Como escolheu o repertório? ;Ah, gosto de todas as músicas que faço. Então é só meter a mão no saco e tirar umas (risos).;
Eu conhecia Wilson das Neves dos discos, reconhecia de cara sua batida, vez por outra o peruava através do vidro de estúdios de gravação. Hoje não subo ao palco sem ele. Ele é o pulso da banda, termômetro, técnico do time, rei da anedota e pajé;
Chico Buarque
PRA GENTE FAZER MAIS UM SAMBA
Terceiro disco do cantor e compositor Wilson das Neves. Lançamento MP,B/Universal, 13 faixas. Preço médio: R$ 28. Ouça quatro músicas no www.myspace.com/ wilsondasneves. ****