O barítono português José Oliveira Lopes compara a voz a uma linguiça: cada vez que é usada, uma rodela sai fora. A comparação veio de um amigo alemão e procede. ;Antigamente havia mais cuidado com as vozes. Hoje, o avião dá cabo delas. Se canta aqui hoje, ali amanhã. É um instrumento muito delicado;, constata. A voz desgasta ao longo dos anos, mas sem o tempo a técnica não fixa. Por isso, os 68 anos de Lopes são uma benção para o recital que realiza hoje no Instituto Camões. O barítono leva para o palco os 16 lieds do ciclo Amor de poeta, escrito por Robert Schumann em 1840 para poemas de Heinrich Heine. Somente uma voz experiente no domínio da técnica vocal pode criar os ambientes exigidos pelos lieder de Schumann. As canções formam um ciclo no qual o narrador conta uma história de amor ora do ponto de vista da mulher, ora do homem. É uma obra típica do romantismo alemão, com todos os contornos líricos que o período conheceu nas mãos de mestres como Schumann e Schubert. O texto cantado em alemão foi traduzido em um folheto para que o público possa acompanhar a história. Tradicionalmente, os lieder trazem vários papéis e o cantor precisa ser versátil para se desdobrar em cada um deles. Não é como na ópera, na qual cada artista tem um papel previamente ensaiado e definido e exatamente neste detalhe reside a dificuldade das canções. ;Um bom cantor de lied pode cantar bem uma ópera, mas um bom cantor de ópera não necessariamente será um bom canto de lied;, avisa Lopes, que começou a estudar canto por causa do cancioneiro popular italiano e descobriu o lied com uma professora suíça. No palco, o barítono será acompanhado pelo pianista Adriano Jordão, amigo há mais de três décadas e parceiro em recitais pelo mundo inteiro. É a combinação perfeita para criar a musicalidade necessária às canções. ;Esse tipo de peça é essencialmente literária. É impossível pensar nela sem pensar nas palavras. Na ópera a música é mais importante que o texto. No lied, não;, ensina Jordão. ;E o piano é o instrumento romântico por excelência;, completa Lopes. A dupla já realizou um ciclo inteiro de canções de Schubert e agora retoma o entrosamento na obra de Schumann. Além do recital, Lopes também realiza uma oficina para cantores eruditos. Laureado como o melhor cantor de lied no 19; Concurso Internacional de Canto da Baviera e ex-professor da Escola Superior de Música do Porto, o barítono acredita ser fundamental o aprendizado das línguas no estudo do canto e é nesse ponto que vai focar a oficina. Lopes fala seis idiomas e, para aprimorar a pronúncia, também se formou em Língua e Literatura Moderna pela Universidade Clássica de Lisboa. Cantar em italiano, ele diz, é relativamente fácil para aqueles cuja língua materna tem origem latina. O alemão ; língua mãe das canções românticas do século 19 ; traz dificuldades de pronúncia que exigem conhecimento do idioma. ;Nesse tipo de obra a questão da fonética tem que ser levada ao limite.; Lopes já encarnou mais de 40 personagens de ópera, mas entre os cerca de 1.000 concertos contabilizados no currículo, 70% foram consagrados ao lied. As quatro décadas de prática geraram uma extensa pesquisa de técnica vocal. Parte desse material deu origem ao livro A voz, a fala e o canto, ainda inédito, mas pronto para ser publicado. ;O lied requer conhecimentos musicais, é uma forma muito burilada de fazer canto. 90% das pessoas aprendem a cantar em italiano. Mas no lied é necessário conhecer muito bem a língua para se cantar bem.; Ou, como ouviu de um amigo, não é preciso falar alemão, é preciso sonhar em alemão. RECITAL DO BARÍTONO JOSÉ OLIVEIRA LOPES Hoje, às 19h30, no Instituto Camões (Embaixada de Portugal). Entrada livre. Oficinas: amanhã, às 19h. Inscrições gratuitas pelo e-mail assessoria@institutocamoes.org.br