Histórias de vida para além do balé unem os cerca de 300 jovens de todo o Brasil que passarão por Brasília, até 1º de agosto, quando termina o 20º Seminário Internacional de Dança. A rotina inclui aulas das 8h às 22h, apresentações livres no palco do Pátio Brasil e o concurso propriamente dito. Mais que tudo, o seminário é um mosaico de bailarinos em formação e outros que por ali passaram e, hoje, fazem carreira internacional. Para quem participa, aperfeiçoamento com bons professores e a possibilidade de se profissionalizar são os maiores atrativos.
No fim, serão distribuídas até 15 bolsas de estudo em escolas e companhias da Europa e do Canadá. Mas o aprendizado, a troca de experiências e a oportunidade de ter contato com professores e estudantes brasileiros e estrangeiros fica marcada na formação dos participantes. E se não der para ganhar este ano, em 2011 tem mais, no que depender de Gisèle Santoro, idealizadora do evento. A viúva do maestro Claudio Santoro é uma referência na capital quando o assunto é dança. Manter viva a iniciativa não é nada fácil. Alguns patrocínios e parcerias não cobrem todas as despesas, que acabam saindo em grande parte do próprio bolso da mestra. "É um evento único no mundo, ninguém oferece tantos cursos fortes de formação e bolsas de participação. Na Europa, é possível viver da dança com dignidade. É o que me entusiasma", diz.
[SAIBAMAIS]A escolha de vencedores é feita pelos próprios representantes das companhias e escolas. Eles ministram aulas e muitos atuam como olheiros. Durante as eliminatórias e a final, o júri é soberano, e só concede prêmios e convida quem realmente considera merecedor. Já houve casos de bolsas sobrarem e de outras surgirem, de última hora. O que determina quantos bailarinos serão escolhidos é a qualidade. Muitos ganhadores voltam, em edições seguintes, para se apresentar ou passar adiante o conhecimento adquirido. De 20 edições, sobram histórias para contar, seja de quem "chegou lá" ou de quem está chegando agora e busca seu lugar sob os refletores.
Monica Proença
Essa "cariocandanga" de 38 anos é exemplo de uma história de sucesso dentro do seminário. Queria ser atriz. "Como era serelepe, minha mãe me levou a uma academia e me interessei pelas aulas de jazz. Balé clássico não combinava com minha personalidade", lembra. Aos 17 anos, Monica convenceu a mãe a vender o carro para bancar intercâmbio nos EUA. Na San Francisco School of Arts, por mérito, foi parar na turma profissionalizante. Participava desde o 1º Seminário. "Fazia cursos, mas não me achava preparada para os concursos". Aos 24, tomou coragem. Fisicamente mal (acabara de voltar dos EUA, quilos acima do peso), foi eliminada na segunda etapa. No ano seguinte, preparada, ganhou medalha de ouro e bolsa de estudo na Alemanha. Desistiu por não ter como se manter. Aos 26, foi chamada a estagiar na Deeply Routed, de Chicago, onde ficou por dois anos. Seguiu para Vancouver, Canadá, onde depois de sete anos montou a própria companhia, a Lamondance Works, que oferece até cinco vagas no concurso do seminário.
Monike Cristina de Souza
Exemplo de que pouca idade não significa cabeça nas nuvens, a jovem de 19 anos integra a Companhia Estável de Dança (Cedan), de Piracicaba (SP). Pais separados, ela vive com a mãe, que trabalha como vigilante e a apoia totalmente. A dança está no sangue da moça: mãe, tia e tio já foram bailarinos. "Minha mãe nunca me forçou, mas vou realizar um sonho nosso se me profissionalizar", diz Monike, que deu seus primeiros pliés aos 6 anos. Por conta da dança, já esteve em festivais Brasil afora e, dois anos atrás, conquistou uma bolsa numa companhia nova-iorquina, mas não pôde aceitar porque não teria como se manter nos Estados Unidos. Sua meta é fazer carreira na Europa. Confiante, não teme a passagem do tempo. "Só tem carreira curta quem não se cuida, não tem uma boa base", afirma ela. A faculdade de educação física é uma alternativa à dança: "É um plano B. Em balé a gente nunca sabe o que vai acontecer". Quem a vê no palco, no entanto, duvida que o diploma terá utilidade.
Davi Rodrigues
Ele ouviu muita piadinha nas ruas de Samambaia enquanto seguia para as aulas de balé. Aos 13 anos, a dança se mostrou uma alternativa atraente ao jovem, que antes pretendia ser artista plástico ou ator. Fácil não foi. A mãe criou praticamente sozinha os cinco filhos, mas nunca houve nenhuma rejeição em casa ao caminho escolhido por Davi. A família o apoia totalmente. Já a chacota da vizinhança cessou quando ele passou de mãos dadas com uma bela namorada. Sua história com o seminário de dança remonta a 2007, quando recebeu bolsa de aprimoramento de seis meses para estudar na Lamondance Works, no Canadá. Vendeu seu carro, pediu ajuda para a mãe e foi. Acabou se firmando em Vancouver, onde, além de ser bailarino, diretor de ensaio e um dos coreógrafos do grupo que o acolheu, também atua como convidado no Royal City Youth Ballet e como coreógrafo, em outras três escolas. Em busca de voos mais altos, Davi aguarda o resultado de uma audição para o Cirque du Soleil.
Três perguntas - Gisèle Santoro
Por que o seminário não ocorreu no Teatro Nacional Claudio Santoro?
Infelizmente, a gente pediu e não foi dado o espaço. Não saiu edital de pauta para o segundo semestre, mas uma prorrogação do primeiro semestre. Minha filha esteve hoje (sexta-feira) lá e disseram que a pauta está tomada. Mas nunca recebi resposta da minha solicitação. É lamentável, porque é o vigésimo ano e o seminário foi criado dentro da Secretaria de Cultura do Distrito Federal, que sempre o promoveu e, inclusive, patrocinou muitas edições.
O que de realização o seminário traz para você?
Na minha vida inteira vi talentos brasileiros sendo jogados pela janela. Não há apoio à formação, à produção de espetáculos nem à profissionalização. É triste pensar que no país todo só há seis companhias estatais de dança. Os talentos brasileiros têm uma formação deficiente, porque, por melhores que os professores sejam, são escolas particulares em que o aluno estuda o que quer. Numa escola oficial, existe um currículo, inclusive com formação teórica, e é obrigatório cumpri-lo. Além da formação deficiente, falta lugar para o bailarino profissional trabalhar. Também fui bailarina, sonhei com uma grande carreira internacional. Em 20 anos, foram 330 bolsas. Muitos que passaram por aqui são hoje primeiros bailarinos. Sobra talento, o que falta é oportunidade.
O que idealiza para as próximas edições?
Pretendo ampliar projetos e parcerias para levar o seminário a outros centros. Neste ano, professores estiveram em Paraopebas (PA) e em Fortaleza (CE) preparando o pessoal para vir para cá. Quero também manter a colônia de férias para crianças de 7 a 11 anos, novidade trazida por uma ex-aluna que foi bolsista do seminário e acaba de se formar em pedagogia da dança, na Alemanha.